Toffoli usa decisão para afagar Lula e declara provas da Odebrecht imprestáveis

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, vai ao Congresso para reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia - foto: Agência Brasil

Em decisão com acenos ao presidente Lula (PT), com quem se desgastou nos últimos anos, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli disse que a prisão do petista foi uma armação e o “verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia”.

Segundo ele, a prisão de Lula “até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país”, mas “foi muito pior”.

Toffoli escreveu sobre Lula em decisão desta quarta-feira (6) na qual determinou que as provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht e também dos sistemas Drousys e MyWebDay —respectivamente de comunicação interna e de contabilidade e controle de pagamentos de vantagens indevidas— são imprestáveis em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.

“Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [a lei]”, afirmou Toffoli.

“Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, disse o ministro.

A representante de Lula na ação é Valeska Zanin Martins, esposa do ministro Cristiano Zanin, que advogou para o presidente nos processos da Lava Jato.

Depois da decisão, a AGU (Advocacia-Geral da União), órgão que faz a representação jurídica do governo, anunciou que irá criar uma força-tarefa para apurar “desvios de agentes públicos e promover a reparação de danos” causados por decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba.

O anúncio cita tanto decisões contra Lula como por “membros do Ministério Público Federal no âmbito da chamada ‘Operação Lava Jato'”. O ministro da AGU, Jorge Messias, é um dos cotados para integrar o STF com a aposentadoria de Rosa Weber, que tem que acontecer até outubro.

Também após a decisão, o ex-juiz da Lava Jato e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) rebateu a decisão de Toffoli —Moro depois foi declarado parcial pelo STF em suas decisões sobre Lula.

“A corrupção nos governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores”, escreveu em suas redes sociais.

Toffoli foi indicado ao Supremo por Lula em 2009, quando era advogado-geral da União, e sempre foi um nome de confiança do PT.

Nos últimos anos, porém, manteve uma relação próxima com o ex-presidente Bolsonaro e a base bolsonarista. Chegou a classificar o golpe militar de 1964 como um “movimento”.

O principal desgaste de Toffoli com Lula, porém, aconteceu quando ele impediu que o petista fosse ao velório do irmão enquanto estava preso em Curitiba.

Genival Inácio da Silva, o Vavá, morreu em janeiro de 2019 aos 79 anos, vítima de câncer. À época, Toffoli concedeu apenas o direito de Lula se encontrar com a família em uma unidade militar em São Paulo, com a possibilidade de o corpo de Vavá ser levado até ele. O petista recusou.

Essa não é a primeira movimentação de Toffoli em aceno a Lula. Desde que o petista ganhou a eleição, ele já pediu perdão ao presidente pelo veto à ida ao velório de Vavá.

O ministro do Supremo também fez um movimento interno em abril a fim de facilitar o ambiente para que Lula indicasse seu advogado criminal e amigo pessoal Cristiano Zanin para o Supremo.

Assim que Ricardo Lewandowski se aposentou, ele pediu para mudar da Primeira para a Segunda Turma da corte, retirando os casos da Lava Jato da rota do indicado do petista e evitando constrangimentos, uma vez que Zanin é um crítico declarado da operação.

Procurada a Novonor (antiga Odebrecht) disse que não irá se manifestar.

Na decisão desta quarta-feira, o ministro do STF determinou que se conceda o acesso integral do material apreendido na Operação Spoofing, que investigou e prendeu os responsáveis pela invasão hacker a aparelhos de agentes públicos, a todos os investigados e réus processados com base em elementos da Lava Jato.

Toffoli também decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba apresente em até 10 dias o conteúdo integral de todos os documentos e anexos relacionados ao acordo de leniência da Odebrecht, inclusive os recebidos no exterior, sob pena de incidência no crime de desobediência.

Na decisão desta quarta, ele afirmou ainda que “sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual”, os agentes públicos que atuaram na Lava Jato “desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência”.

“Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século 21, para obter ‘provas’ contra inocentes”, continuou.

“Para além, por meios heterodoxos e ilegais atingiram pessoas naturais e jurídicas, independentemente de sua culpabilidade ou não. E pior, destruíram tecnologias nacionais, empresas, empregos e patrimônios.”

O Supremo já vinha declarando as provas dos sistemas da Odebrecht como imprestáveis. Inicialmente pelo ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, em procedimentos que foram herdados por Dias Toffoli.

As decisões implodiram os casos restantes dos diversos braços da Lava Jato espalhados pelo país e beneficiado alvos que incluem o irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima e Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto.

Inicialmente, a pedido da defesa de Lula, à época comandada por Zanin, Lewandowski interrompeu investigações contra o petista sob o argumento de que a higidez das provas oriundas desses sistemas estava corrompida, sobretudo porque os arquivos foram transportados de forma inadequada.

Em mensagens trocadas sobre o tema, que foram acessadas por hackers e mais tarde obtidas na Operação Spoofing, procuradores disseram que os arquivos foram manuseados em sacolas de supermercado, sem cuidados com a sua preservação.

Dias Toffoli, agora, estendeu esse entendimento para as demais provas oriundas do acordo. O próprio ministro chegou a ser mencionado por Marcelo Odebrecht, que foi presidente da empreiteira.

Em 2019, ele enviou à Polícia Federal, no âmbito de uma apuração da Lava Jato no Paraná, esclarecimentos sobre menções a tratativas lícitas e ilícitas encontradas em seus emails pelos investigadores.

Uma das menções, segundo Odebrecht, era ao atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. O episódio foi revelado pela revista Crusoé.

À época, em julho de 2007, Toffoli não era ministro do STF, mas ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) no governo de Lula.

O email que motivou o questionamento dos investigadores foi enviado por Marcelo Odebrecht a dois executivos da empreiteira, Adriano Maia e Irineu Meirelles. “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?”, escreveu Odebrecht. Não há no email nenhuma citação a pagamentos.

Odebrecht explicou à PF, segundo a revista, que a mensagem se referia a tratativas que o então diretor jurídico da empreiteira, Adriano Maia, tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia. “‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli”, disse.

À época, a assessoria do Supremo não se manifestou sobre a menção ao nome de Toffoli.

Interlocutores do ministro disseram, reservadamente, que era comum a AGU acompanhar os processos que envolviam grandes obras.

Ainda em 2019, o grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República fez um pedido de demissão coletiva citando “grave incompatibilidade de entendimento” da equipe com uma manifestação do órgão enviada pela então chefe do órgão, Raquel Dodge, ao STF.

Um dos motivos arquivamento de trechos da delação de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, com referências ao irmão de Toffoli, José Ticiano, ex-prefeito de Marília (SP).

JOSÉ MARQUES

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