SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O outrora agitado Filipe Toledo, 28, aparenta enorme tranquilidade. O jovem João Chianca, 23, o popular Chumbinho, também faz questão de mostrar serenidade. Por vias distintas, eles chegam de maneira leve à etapa que decidirá o campeão do Mundial de surfe.
Atual campeão, Toledo precisa vencer apenas mais duas baterias para assegurar o bi. Líder do ranking, o paulista de Ubatuba tem consciência de que o caminho para o título é simplesmente manter a consistência de toda a temporada. “Constância, constância, constância”, repete.
Quarto colocado do campeonato, Chumbinho também está leve, basicamente pelo motivo oposto. Se muitos esperam que Filipe vença de novo, poucos apostam no fluminense de Saquarema. Nem ele. “A gente pode dizer que Lowers é um bônus.”
O Mundial é decidido nas ondas de Lower Trestles, Califórnia, nos Estados Unidos, desde 2021. Foi quando a WSL (Liga Mundial de Surfe, na sigla em inglês) adotou novo formato para o certame, concluído em uma etapa com os cinco melhores do ranking.
O quarto enfrenta o quinto pelo direito de encarar o terceiro. Desse confronto sai o adversário do seguindo. Só aí se decide o rival do líder, que o aguarda para uma decisão em melhor de três baterias. Tudo se resolve em um dia, com janela aberta de 8 a 16 deste mês, à espera das melhores condições do mar.
Dessa forma, Chumbinho tem de bater os australianos Jack Robinson e Ethan Ewing e o norte-americano Griffin Colapinto para, enfim, medir forças com Toledo. Que esteve na água no fim do torneio nas duas edições anteriores realizadas no formato -perdeu para o compatriota Gabriel Medina e bateu o também conterrâneo Italo Ferreira.
“Sem dúvida, é a constância. Quando você tem constância, acaba, na cabeça dos outros atletas, virando alguém muito difícil de bater. As pessoas ligam a constância a isso, àquela coisa de ser imbatível”, disse Filipe.
“Não estou me gabando”, fez questão de acrescentar, pausadamente, com uma calma que não exibia em seus primeiros anos de circuito. O paulista quebrou pranchas, esbravejou contra juízes, foi suspenso. Aí, encontrou-se quando passou a encarar tudo de maneira mais leve, com a ajuda da mulher e dos filhos, citados praticamente em todas as suas respostas.
“Eu comecei a entender tudo isso. É aproveitar o processo, ser leve, ser feliz, não fazer da coisa uma obrigação. Eu entendi essa fórmula e falei: ‘Cara, é assim que tem que ser’. Foi o primeiro ano em que me diverti mais. E fui campeão mundial. Então, não tinha por que ser diferente no ano seguinte”, afirmou.
Contribui para esse estado de espírito e para a calma antes da decisão o fato de estar em casa: Toledo vive em San Clemente, palco da final. Já Chumbinho admite que mal conhece a Califórnia e, embora já tenha surfado em Trestles, nunca disputou no local um evento de primeiro nível.
Chianca está apenas em seu segundo ano na elite do circuito, um ano de resultados e experiências inesperados. “Foram alguns anos dentro de um, né?”, sorriu o fluminense, que começou a temporada em altíssimo nível, venceu a etapa de Peniche, em Portugal, em março, e chegou a ser líder do ranking.
“Ainda estou tentando processar como foi este ano. Com certeza, eu me saí de maneira muito melhor do que era a minha expectativa”, observou o jovem, feliz com o que alcançou nas primeiras pernas da competição. “Pode dar certo quando a gente bota a energia no lugar certo.”
Na segunda metade do circuito, Chumbinho não conseguiu manter o nível e ficou fora das quartas de final nas quatro etapas mais recentes. Mas tratou o momento de baixa como aprendizado e, ainda que por pouco, manteve-se entre os cinco primeiros colocados.
“O pessoal começou a me tratar como um surfista veterano, com base nos meus resultados no início da temporada. Mas a gente sabia que tropeços poderiam vir eventualmente. A gente viveu muitas coisas novas e, na próxima temporada, estará mais bem preparado”, disse.
Nesse processo, Chianca conseguiu uma das duas vagas diretas do Brasil nos próximos Jogos Olímpicos. Ficou à frente de Medina, tricampeão mundial -que tentará, em torneio classificatório em fevereiro, ser o terceiro representante brasileiro em Paris-2024.
“Estou muito grato. A vaga nas Olimpíadas foi a cereja do bolo”, disse o sereno e, por ora, saciado, Chianca. Para o também sereno, mas ainda faminto, Toledo, a cereja no bolo será o bi.
MARCOS GUEDES / Folhapress