BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O pacote de projetos que flexibiliza as cotas eleitorais e promove a maior anistia a partidos políticos da história tem apoio também de parlamentares de parte da esquerda, sobretudo do PT.
A bancada petista deve orientar voto a favor das mudanças e avalia que apenas uma minoria pode acabar se posicionando contra. A sigla do presidente Lula definiu que o discurso será de que a pauta não tem relação com o governo e que o posicionamento, portanto, é estritamente partidário.
Na esquerda, tradicionalmente defensora das cotas para mulheres e negros, só o PSOL se posiciona abertamente contra as propostas e ameaça judicializar as mudanças, caso aprovadas. No PC do B, há críticas e apoio.
O pacote inclui três projetos: a minirreforma eleitoral, que simplifica a prestação de contas de campanha, entre outros pontos; a PEC da Anistia, que concede o maior perdão da história a políticos e partidos, além de reduzir a verba de campanha a negros; e a PEC das Mulheres, que estabelece uma reserva de cadeiras mínima nos Legislativos, mas pode reduzir a atual cota de candidaturas.
A intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar as propostas na próxima semana, com o objetivo de dar tempo suficiente para que os temas sejam debatidos no Senado e promulgados ou sancionados até 5 de outubro, prazo limite para que elas possam valer nas eleições municipais de 2024.
Sobre a PEC da Anistia já foi firmado consenso entre os líderes da Casa para não só avançar com o maior perdão a dívidas da história, mas também reduzir a cota eleitoral para negros. Na eleição passada ela foi de cerca de 50% e, com a nova regra, cairia para 20%.
A proposta foi defendida pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), durante a tramitação nas comissões e é assinada pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), crítica da PEC, chegou a se candidatar à presidência da comissão específica que debate o texto, mas teve apenas um voto.
O grupo acabou dirigido por PSD, PL, Republicanos, Podemos e PSB, partidos que já foram multados em R$ 50 milhões pelas punições que a proposta, se aprovada, perdoará.
Já a PEC das Mulheres pretende estabelecer uma cota mínima de cadeiras no Legislativo de 15%, patamar inferior ao que a bancada feminina conseguiu eleger para a Câmara dos Deputados em 2022, 17,7%, medida que pode ser acompanhada da redução de 30% para 15% da cota de candidatas que os partidos são obrigados por lei a lançar.
Esses percentuais subiriam ao longo das eleições, mas o texto ainda não está fechado.
Já a minirreforma libera, na prática, os candidatos de apresentar prestação de contas parciais ainda durante a campanha, o que fará com que essas informações só venham a público após as eleições.
A proposta também fragiliza o instituto das federações, vetando que punições a uma das legendas que a compõem afete a federação como um todo, e proíbe bloqueios nos repasses do fundo eleitoral, a principal fonte de recursos das campanhas, que em 2022 distribuiu R$ 5 bilhões aos candidatos.
Internamente, a bancada do PT entende que há concordância com cerca de 80% das propostas do pacote eleitoral, mas vai tentar ampliar a cota proposta para negros e mulheres. A intenção é chegar a um acordo até a votação, mas há a possibilidade de o partido apresentar destaques (propostas de alteração do projeto apreciadas diretamente no plenário) sobre esses pontos.
“[O partido vai orientar] a favor [das propostas], com exceção de qualquer redução no respaldo a mulher e negros”, afirmou o líder da bancada petista, Zeca Dirceu (PT). O PT, porém, endossa oficialmente a PEC da Anistia, que inclui o perdão a todos os partidos que não destinaram as verbas mínimas para negros e mulheres nas eleições de 2022.
Já o PSOL votará contra os projetos, ameaça entrar na Justiça contra as propostas e diz que não participou do acordo com Lira pela PEC da Anistia.
“Além de anistiarem quem não cumpriu a cota e os aportes de recursos para candidaturas de negros e mulheres nas eleições, pretendem reduzir sua presença, em iniciativa retrógrada. Legislam para descumprir o legislado. Desacreditam a política”, disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
No PC do B, há um entendimento de que a lei eleitoral precisa de aperfeiçoamento e uma avaliação positiva da reserva de cadeiras para as mulheres. Por outro lado, o partido deve votar contra a PEC da Anistia, por considerá-la um erro.
“Me parece adequado o estabelecimento de reserva de vagas para mulheres. E o importante é que tem dimensão nacional, vai garantir uma representação de mulheres nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas”, afirmou Orlando Silva (PC do B-SP).
“Melhor caminho seria um diálogo com o TSE e encontrar um caminho que preservasse os partidos políticos sem ferir o mecanismo de promoção para candidaturas pretas e de mulheres”, completou, sobre a PEC da Anistia.
A bancada feminina se mobilizou para tentar evitar a redução e garantir que a cota de 15% de cadeiras não anule os 30% de verbas caso isso aconteça, a avaliação é a de que seria um avanço.
O mesmo acontece com a bancada negra, que chegou a se reunir com o grupo de trabalho da minirreforma eleitoral para pedir que a redução na cota não entrasse no projeto a proposta, porém, acabou sendo incorporada na PEC da Anistia.
Paralelamente, deputados já trabalham para alinhar os pontos das propostas com o Senado, para agilizar a tramitação. Na ultima terça-feira (5), por exemplo, Elmar Nascimento (União Brasil-BA), um dos principais aliados de Lira, esteve com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para debater os temas.
As duas cotas, a de gênero e de raça, têm o objetivo formal de estimular a participação de mulheres e negros na política. Apesar de serem maioria na população, esses dois grupos são minoria no Executivo e Legislativo.
Ambas as cotas são bastantes criticadas pelas cúpulas partidárias sob o argumento de que é difícil reunir mulheres interessadas em ingressar na política, além de haver uma forte pressão interna para a manutenção do privilégio de distribuição de verbas a candidatos brancos.
JOÃO GABRIEL E RANIER BRAGON / Folhapress