Nunca falamos tanto sobre transplante de órgãos, dizem médicos de Faustão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando foi divulgado que o apresentador Fausto Silva, 73, estava em cirurgia para receber o transplante de coração, usuários nas redes sociais começaram a comentar que a rapidez para se obter o órgão estava relacionada ao suposto fato de ele ter furado a fila do SUS (Sistema Único de Saúde).

A informação, que é falsa, logo foi desmentida pelo Ministério da Saúde. Apesar de a desconfiança preocupar, médicos que operaram Faustão afirmam que o desconhecimento da população mostra que esse é um momento é oportuno para se falar do programa de transplantes único e público do país.

“Deu a oportunidade para o Ministério da Saúde explicar como é a coordenação desta lista nacional única de transplantes para os pacientes e que segue critérios de peso, tamanho, parte imunológica, tipo sanguíneo e critérios muito bem definidos de gravidade”, diz Fernando Bacal, coordenador do Programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante do Hospital Albert Einstein.

Fábio Antônio Gaiotto, cirurgião cardiovascular do Einstein, afirma que a operação do apresentador provocou uma comoção. “Trabalho há 12 anos com transplante de órgãos e nunca se falou tanto de fila de transplante. O que era desconhecimento hoje é moeda corrente de conversa, conversa de corredor de shopping, todas pessoas falam disso”, afirma.

Apesar de o Brasil ser referência mundial em doação e transplantes de órgãos, a parcela de familiares de pacientes com morte cerebral —um dos critérios para que o paciente seja elegível para alguns transplantes, como de coração— que recusaram que a pessoa fosse doadora é alta e tem crescido.

Segundo dados divulgados pela ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), no primeiro semestre de 2022, era de 45%. No mesmo período deste ano, a taxa subiu para 49%.

Para os médicos, os números demonstram que é preciso explicar para a população a respeito de todo o processo, desde a avaliação do paciente até a realização do transplante, o segmento de pós-transplante e casos de sucesso em que os pacientes voltar a viver muito bem depois da operação.

“É um trabalho de formiguinha de mostrar e conscientizar as pessoas sobre a importância de falar sobre o transplante em casa”, diz Bacal.

A conversa é fundamental, uma vez que no Brasil a decisão de autorizar ou não a doação de órgãos do paciente é da família. “Se não há essa conversa, no caso de uma fatalidade, não é tão simples a família tomar uma decisão”, explica Bacal.

Para o médico, a divulgação sobre procedimento é um caminho para que no futuro o Brasil tenha números semelhantes aos da Espanha, campeã em doação, que tem 40 doadores por milhão de habitantes.

Neste semestre, o Brasil registrou 19, número que representa um aumento em relação as taxas durante a pandemia, quando o índice caiu para 13,7, em 2021, antes os 16,9 de 2019.

Entre 60% a 70% dos pacientes que estão com doença cardíaca em fase avançada poderiam morrer em um ano caso não tivessem recebido o transplante. Apesar de a chance do sucesso ser alta, de 90%, há a possibilidade de rejeição do corpo.

O pós-operatório envolve entre 15 a 30 dias no hospital e até o sexto mês existe a possibilidade de o corpo rejeitar o órgão transplantado, por isso são prescritos remédios e o período requer cuidado elevado. Mas, em geral, pacientes que passaram pelo procedimento costumam voltar a trabalhar depois de dois a três meses.

Além da saúde física, há uma preocupação com a saúde mental. “Costumamos deixar muito claro que aquele coração é daquele paciente que tem que retomar a sua vida plenamente”, diz Bacal.

O médico reforça ainda a importância do anonimato entre doador e receptor para que a família do doador possa viver esse luto de forma natural e a família do paciente que recebe possa retomar a sua vida plenamente.

Entre os ensinamentos dos pacientes que aguardam pelo transplante está a luta pela vida. “Se tem vida, tem que ter esperança para que esse coração chegue. Não pode desistir. A situação de quase morte transforma demais a vida dos transplantados”, diz Gaiotto. “Eles renascem.”

ISABELLA MENON / Folhapress

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