Campos Neto participa de maratona de eventos após início de cortes nos juros

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, intensificou a participação em compromissos públicos após o início do ciclo de corte de juros (em 2 de agosto).

Os 19 eventos em pouco mais de um mês representam quase o dobro do registrado em agosto de 2022, de acordo com levantamento feito pela reportagem.

O ritmo mais frenético do que o habitual é observado na esteira da flexibilização da política monetária e de uma transição gradual do modelo de comunicação da autoridade monetária desde que a instituição virou alvo de críticas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre-FGV, vê a participação de Campos Neto em palestras, lives e entrevistas como uma tentativa de disciplinar as expectativas do mercado financeiro e manter o controle sobre a condução política monetária.

“A experiência mostra que todo início de ciclo de baixa de juros provoca uma euforia muito grande. Quando o BC dá início ao processo de redução da Selic, é muito fácil para as expectativas se formarem de forma excessivamente agressiva”, afirma.

O economista ressalta que é fundamental conter o excesso de otimismo do mercado e se manter firme no comando da situação em um momento em que o combate à inflação continua.

“Não é momento de perder o controle porque a inflação ainda não está domada. Como a gente pode interpretar as falas recentes do presidente do BC? Uma determinação muito forte de explicar ao máximo como o BC está vendo esse processo de queda de juros”, diz.

Como exemplo, cita uma declaração dada por Campos Neto de que a “barra” para intensificar os cortes de juros é elevada, na qual ele reafirmou a estratégia do BC de redução de 0,5 ponto percentual na taxa básica (Selic) nas próximas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária).

Ex-presidente do BC, Gustavo Loyola considera que Campos Neto talvez tenha sentido necessidade de reforçar a comunicação com a sociedade sobre as últimas ações da autoridade monetária em razão do processo de redução de juros —a Selic está hoje em 13,25% ao ano.

Outra hipótese levantada pelo diretor-presidente da Tendências Consultoria é que o atual chefe da instituição pode ter ido a campo em reação às duras críticas feitas por Lula e outros membros do governo à atuação do BC.

“Talvez tenha sentido a necessidade, por causa das críticas, de ter uma presença mais ativa nos meios de comunicação para explicar as ações do BC. O presidente Lula liderou as críticas ao banco, mas não foi o único que manifestou uma insatisfação com a política monetária. Acho que isso fez com que o BC saísse mais para a comunicação”, diz.

O ex-presidente do BC afirma também que a comunicação se tornou um instrumento ainda mais necessário para a autoridade monetária depois da aprovação da autonomia, em vigor desde 2021, na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Com a escalada de tensão após a primeira reunião do Copom em 2023, quando Lula chamou Campos Neto de “esse cidadão”, o presidente do BC puxou para si os holofotes ao participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, em 13 de fevereiro.

Essa foi sua primeira entrevista a jornalistas em quase um ano, o que representa um ponto de virada na postura do chefe da autoridade monetária.

Neste ano, participou de eventos organizados por veículos de comunicação, como o seminário “Dois anos de autonomia do Banco Central: lições para o futuro”, promovido pela Folha de S.Paulo, e, no mês passado, concedeu duas entrevistas à imprensa —Poder360 e revista Veja— em menos de uma semana.

Ao longo de 2023, Campos Neto fez uma série de palestras em eventos organizados por empresários, mas também foi ao Congresso prestar contas com uma frequência maior do que em anos anteriores.

Em abril, compareceu duas vezes em uma mesma semana ao Senado, uma delas inclusive no período de silêncio do Copom, quando os membros do colegiado do BC devem evitar ao máximo proferir discursos que falem sobre juros, câmbio e assuntos relacionados à economia brasileira.

Foram ao menos 45 eventos abertos nos quais Campos Neto deu alguma declaração pública neste ano —sendo 42% concentrados no período do último Copom até agora.

Procurado, o BC disse que a realização de palestras e entrevistas e as sessões no Congresso são “essenciais à política de comunicação e às ações de transparência” adotadas pela autoridade monetária.

A instituição também afirmou que “o ritmo desses eventos está diretamente ligado à demanda crescente e ao avanço dos projetos estratégicos da Agenda BC#, como Pix, Open Finance, Drex, cooperativismo e microcrédito”.

Segundo o histórico analisado pela reportagem, de 2021 a 2023, o ciclo de agosto a setembro costuma ser um período mais movimentado na agenda do presidente do BC. Há dois anos, nessa mesma época, foram 14 compromissos (com declarações). Em 2022, foram 10.

No ano passado, o chefe do BC discursou em ao menos 52 aparições públicas. A tendência é que esse total de compromissos assumidos por ele seja ultrapassado com folga até dezembro. Em 2021, foram 74 compromissos com pronunciamento.

O recuo em 2022 pode ser explicado em parte devido ao período eleitoral, segundo Loyola.

“A prudência manda que o BC fale o mínimo possível, porque é um ambiente mais carregado. Podem ter declarações que são mal interpretadas. A comunicação do BC tem de ser muito mais cautelosa e menos intensa do que em outros períodos”, diz.

Mas não foi só a comunicação do presidente do BC que mudou ao longo deste ano. Os diretores também ganharam voz, sobretudo depois do mês de abril.

O ápice desse movimento se deu no dia 15 de agosto, quando Gabriel Galípolo (Política Monetária), Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos) e Ailton Aquino (Fiscalização), além de Campos Neto, tiveram eventos abertos à imprensa no mesmo dia.

Não foi a única ocasião em que o presidente do BC e o diretor indicado por Lula, que tomou posse em 12 de julho e é cotado para assumir futuramente o comando da instituição, tiveram compromissos públicos quase simultâneos.

Loyola, contudo, não vê uma disputa por protagonismo.

“Certamente o que se viu é o Galípolo falando menos do que antes. Acho que tem um cuidado de ambas as partes de não atiçar esse discurso de que existe uma divergência muito grande entre eles”, afirma.

NATHALIA GARCIA / Folhapress

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