BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Empresa de diagnóstico médico ligada à família do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), lucrou com serviços prestados no Maranhão sem licitação ou questionados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
A Dio (Diagnóstico por Imagem e Oftalmologia) recebeu cerca R$ 6,2 milhões da Prefeitura de São Luís de 2017 a 2019, mesmo sem ter vencido uma concorrência pública para fornecer profissionais de diagnóstico e laudo de exames a um hospital da capital maranhense.
O TCU (Tribunal de Contas da União) também avaliou contrato da Dio com o Hospital Jackson Lago, do governo estadual do Maranhão. Os auditores concluíram, entre outros pontos, que a empresa recebeu o valor cheio do contrato R$ 3,65 milhões pagos de janeiro de 2017 a dezembro de 2018 mesmo sem cumprir com todas as metas de exames.
A empresa não pertence ao ministro, mas chegou a ser registrada no endereço em que ele morava. Hoje são sócios da Dio a esposa dele, Lia Rezende, e o marido da irmã de Juscelino, Luanna Rezende (União Brasil).
No período em que a Dio atuou sem licitação em hospital de São Luís, a sogra de Juscelino, Maria Cavalcanti Fialho, era secretária municipal de Meio Ambiente.
Juscelino e sua irmã, que é sócia da Dio, estão no centro de suspeitas da Polícia Federal sobre possível fraude em convênios para obras de pavimentação firmados entre estatal federal Codevasf e o município de Vitorino Freire. O ministro do governo Lula (PT) teve bens bloqueados e Luanna foi afastada do cargo no começo do mês.
As empresas de saúde ligadas à família de Juscelino fornecem profissionais para a realização dos exames e fazem laudos dos resultados.
No caso dos serviços de radiodiagnóstico prestados sem licitação pela Dio, de 2017 a 2019, os pagamentos foram recebidos enquanto se arrastava um pregão para contratação de empresa especializada na mesma atividade.
A própria Dio participou desta disputa e foi desclassificada. Além de apresentar valor mais alto que uma concorrente, a Dataimagem, a empresa da família do ministro não ofereceu serviços de urgência e emergência, segundo os documentos da concorrência.
O edital foi anulado em janeiro de 2018, após se arrastar por cerca de um ano e ser suspenso quatro vezes. A prefeitura, então, abriu nova licitação em junho de 2018.
A disputa seguinte foi vencida pela CADI (Centro Avançado de Diagnóstico por Imagem), empresa fundada pelo ministro das Comunicações em 2008 e que, atualmente, tem como sócias a esposa dele, Lia Rezende, e Rochelle Oliveira Coêlho, ex-assessora parlamentar de Juscelino na Câmara dos Deputados.
O contrato foi assinado em 7 de janeiro de 2019 e vem sendo renovado a cada ano por meio de aditivos. Questionada, a Prefeitura de São Luís não respondeu se realizou novas pesquisas de preço antes de atualizar os contratos.
O acordo com o hospital prevê pagamentos de até R$ 2,4 milhões por ano. A CADI recebeu cerca de R$ 10,5 milhões desde 2019.
A Dataimagem tentou impedir na Justiça a anulação da primeira licitação e abertura de nova disputa. Na ação, que foi rejeitada, a empresa afirmou que havia “uma espécie de conspiração em curso” para favorecer as concorrentes ligadas à família de Juscelino Filho.
O juiz entendeu que o município tinha legitimidade de promover nova licitação por causa de vícios no edital e recusou os argumentos.
Além de contratos com prefeituras, as empresas ligadas à família do ministro das Comunicações recebem verbas por serviços a hospitais do Governo do Maranhão.
No caso avaliado pelo TCU, auditores afirmam que a Dio foi paga por serviços não prestados ao Hospital Jackson Lago. Relatório do tribunal diz, entre outros pontos, que não foi alcançada a meta de exames de raio-X em 18 dos 24 meses analisados.
A Secretaria de Saúde do Maranhão alegou ao tribunal que a administradora privada do hospital projetou, no acordo com a Dio, um número de exames maior do que estava previsto no contrato de gestão do estabelecimento.
A área técnica do TCU, porém, avaliou que “nada disso justifica o pagamento, com recursos públicos, por serviços não prestados”.
“Assim, ainda que a meta do contrato de gestão tenha sido atingida nos casos citados, por ser inferior à quantidade efetivamente executada pelas empresas médicas, verifica-se que o mesmo desempenho poderia ser obtido a um custo menor para o erário, desde que fossem pagos às fornecedoras apenas os procedimentos efetivamente executados”, dizem os auditores.
Nesse processo o tribunal avaliou a eficiência na aplicação de recursos federais na saúde pelo Governo do Maranhão.
Em fevereiro de 2022, os ministros do TCU aprovaram uma série de recomendações ao governo local para melhorar a gestão da saúde depois de analisar contratos como o da Dio. O tribunal determinou que os novos contratos devem definir precisamente o pagamento que deve ser feito quando as metas de serviços não são atingidas.
JUSCELINO CRITICA ILAÇÕES E DIZ NÃO HAVER ELO COM MINISTÉRIO NEM MANDATO
Em nota, o Ministério das Comunicações disse que Juscelino Filho não é sócio das empresas. “A tentativa de associá-lo é mais uma da coleção de ilações que tentam responsabilizá-lo pela atuação de terceiros, com o propósito claro de atacá-lo moralmente”, disse a pasta.
“Prova disso é que tais fatos, já explorado pela mídia em passado recente, não demonstrou e nem demonstrará, nenhuma correlação com a sua gestão à frente do Ministério das Comunicações, tampouco com o seu mandato parlamentar”, afirmou ainda a pasta.
Procurada, a Prefeitura de São Luís, sob gestão de Eduardo Braide (PSD) desde 2021, não respondeu aos questionamentos sobre a contratação sem licitação da Dio e da CADI. Também não informou se fez novas pesquisas de preços de serviços de diagnóstico antes de renovar contratos com a empresa da família de Juscelino.
A Dio e a CADI não têm sites, e a Folha não conseguiu contato com a empresa por meio dos telefones indicados em cadastros da Receita Federal. Uma das sócias da CADI, ex-assessora de Juscelino, não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.
O Governo do Maranhão, sob gestão Carlos Brandão (PSB) desde 2022, disse que “cabe às Organizações Sociais [que administram os hospitais], no exercício de sua autonomia diretiva, definir o regulamento próprio que deverá conter os procedimentos a serem adotados para a contratação de obras, serviços, compras e alienações”.
MATEUS VARGAS / Folhapress