SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) deve ocorrer no primeiro semestre de 2024. Como resultado, haverá queda nas tarifas cobradas e antecipação em quatro anos da meta prevista no novo marco do saneamento, de entregar água a 99% da população e coletar e tratar o esgoto de 90% até 2033.
A promessa é de André Salcedo, 45, diretor-presidente da Sabesp, em entrevista à Folha de S.Paulo. Segundo ele, a venda poderá levar a companhia ao mesmo patamar da Vale do Rio Doce e da Embraer, ex-estatais, que se tornaram empresas globais e referência em suas áreas.
A privatização da Sabesp deverá ser feita por meio de “follow-on” (oferta subsequente de ações), em que o estado paulista deixará o controle (hoje de 50,3%) e a companhia terá um acionista de referência. Salcedo afirma que o valor da venda e o perfil do acionista de referência são pontos ainda em avaliação, assim como a participação posterior do estado.
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POR QUE PRIVATIZAR?
Uma empresa como a Sabesp, com capacidade de entregar bons serviços, tende a melhorar a eficiência e reduzir custos sendo privada. Há liberdade de inovar, de contratação, de trazer elementos mais sofisticados para a gestão da companhia.
No estado, tem todo o ciclo de prestação de contas, via Tribunal de Contas, Lei de Licitações, que temos que seguir. Quando a empresa passa a ser privada, consegue mais flexibilidade na gestão de forma ampla. Tende a ser mais eficiente, prestar o mesmo serviço, eventualmente com melhor qualidade e a um custo menor. E entregar mais antes.
Este ano já é um bom exemplo, se pegarmos a evolução da geração de caixa da companhia, a rentabilidade, ela vem aumentando trimestre a trimestre, fruto de uma gestão mais focada em eficiência, em modernização. Estamos no meio de um ciclo de reestruturação.
Mas isso tem um limite, que a estrutura estatal nos impõe e que não podemos comparar com uma empresa privada do ponto de vista de flexibilidade e agilidade de contratação, por exemplo. Inclusive para os funcionários, se pensar em uma forma de reconhecer o desempenho e tudo mais, é muito mais rígido numa estatal.
Esses são os principais pontos. Contratação de serviços de terceiros e obras, que têm uma alavanca muito grande para melhorar, e o reconhecimento, o alinhamento com os funcionários via entregas e pacotes de remuneração que possam refletir a evolução da empresa.
BENEFÍCIOS PARA O ESTADO
Acelerando a universalização, todo o ecossistema das comunidades se transforma. Há desoneração do sistema de saúde local. É a criança que não fica doente e o pai não deixa de trabalhar.
Os efeitos secundários são muito importantes. O benefício para o estado é que antecipamos muita coisa e o desoneramos de ter que prestar alguns serviços que estão associados à falta de saneamento.
São Paulo está acima da média em saneamento. Mas, com uma estrutura de capital mais robusta, com uma capacidade de expansão, de atração de investimento, tanto de dinheiro de financiamento quanto de dinheiro de novos acionistas, esse processo de aceleração da universalização pode ser aplicado para todos os municípios.
A experiência da Sabesp pode ser executada em outras localidades do Brasil que têm problemas semelhantes. Acho que é uma expertise que a gente não está usando hoje. É como olhar para a Vale do Rio Doce e a Embraer e ver o que se tornaram. A Sabesp pode ser tornar uma referência global do saneamento.
Queremos reduzir as metas do marco em quatro anos, quase metade do tempo para universalizar, e isso é um benefício muito claro para a população.
INVESTIMENTOS ADICIONAIS
Nós já temos o compromisso de investir R$ 56 bilhões [na universalização]. Haverá R$ 10 bilhões adicionais, majoritariamente em itens que nós já vínhamos considerando porque eles melhoram a eficiência, aumentam a resiliência hídrica, reduzem o impacto do tratamento de esgoto na devolução da água para os rios e afluentes.
São majoritariamente itens que envolvem a modernização de estações de tratamento de água e esgoto, a instalação de duas plantas de dessalinização no litoral, que são projetos-pilotos. Entendemos que essa jornada de iniciar e diversificar fontes de água tratada, ela beneficia não só o litoral, mas o futuro.
TARIFA VAI DIMINUIR
A premissa do modelo de privatização é reduzir a tarifa. Toda a modelagem está sendo feita para que os investimentos sejam antecipados dentro da capacidade da companhia de entregar, do ponto de vista físico, de contratar e mobilizar mão de obra, quanto financeiro. E que isso não impacte na tarifa.
Essa é uma premissa do modelo e do time do IFC [International Finance Corporation, instituição do Banco Mundial voltada para o fortalecimento do setor privado em países em desenvolvimento], que contratou diversas consultorias e está trabalhando exatamente nisso. Se não for dessa forma, foge do que governador [Tarcísio de Freitas] definiu. A redução da tarifa se daria dentro do sistema como um todo.
A forma como vai ser feita não está definida ainda. Mas a redução não vai vir em prejuízo da companhia, ela vai ser neutra para a empresa. Viria de uma estruturação a ser feita. Porque se você pegar o dinheiro da privatização e colocar em redução de tarifa, uma hora acaba o dinheiro, e a tarifa sobe.
ATENDIMENTO A VULNERÁVEIS
Para a companhia, é muito melhor ter uma tarifa social ou uma tarifa vulnerável, que são as duas classes que nós temos, numa pessoa que hoje não está na rede formal. Nós temos total interesse em levar a rede de água, de coleta de esgoto, para todas as pessoas, sendo em áreas informais em processo de urbanização ou onde não atendemos hoje.
Hoje, o índice de perdas de água no Brasil é em torno de 40%. Da Sabesp é 27%, sendo que desses 27%, 10% são perdas de água oriundas de gatos [ligações irregulares]. Uma conexão nova que a gente faz, mesmo em área vulnerável, é para uma pessoa que já está usando água, não tem como não usar. Provavelmente nossa água. Então, eu passo a cobrar algo que eu já estava fornecendo sem cobrar nada.
Se você conecta a família, ela entende o valor que aquilo tem. É como um lugar que está limpo. Você não vai pegar um saco de lixo e jogar no meio de uma sala limpa. Agora, um lugar que está cheio de lixo, você não se importa.
Quando você limpa uma área, é meio como dar um reset. Esse é o nosso papel, dar um reset nas comunidades, começar de novo. Aí você cria um ambiente muito mais propício para o desenvolvimento econômico e social. Abre espaço para ONGs trabalharem.
ENXUGAMENTO DE FUNCIONÁRIOS
Temos 12,3 mil funcionários e acabamos de encerrar um plano de desligamento incentivado, que foi a primeira demanda que chegou para mim pelas associações de funcionários, na primeira reunião que tive em janeiro.
Entendemos a demanda, tanto dos sindicatos quanto das associações, que tivesse esse incentivo. Isso está alinhado com o processo de reestruturação da empresa que estamos fazendo, e vislumbramos um espaço para reduzir o quadro fixo da companhia em até 2.000 funcionários. A adesão foi muito próxima disso, de 1.862 funcionários.
Eles vão ser desligados em prazos que foram combinados entre a chefia e o próprio funcionário, ao longo de 12 meses. Iniciamos o desligamento em julho e isso vai até junho do ano que vem, concatenado com a criação do centro de serviços compartilhados, de racionalização da estrutura, da revisão de processos.
ACIONISTA DE REFERÊNCIA
Tem que ser um investidor, uma empresa, uma instituição com visão de longo prazo, porque vai ter um ciclo de investimento pesado, mas que depois se remunera em um nível bem adequado quando você pensa em investimentos alternativos.
Conceitualmente é um acionista com um perfil de investimento de longo prazo, que entenda a dinâmica do saneamento, do investimento em infraestrutura, que tem um ciclo de maturidade de negócio que é longo, mas que ao mesmo tempo é um perfil de rentabilidade de um investimento típico em infraestrutura, que rende um ativo fixo, que tem uma rentabilidade muito previsível.
VALOR E PRAZOS
Ainda não temos um valor [para a privatização]. O pessoal guarda lá a sete chaves no IFC. O prazo para terminar o processo em 2024 é possível. Estamos trabalhando com o primeiro semestre. E é um prazo factível. Todos os estágios que a gente tem que cumprir estão sendo cumpridos no prazo.
Vários acionistas, tanto locais quanto estrangeiros, vêm mostrando interesse em entender melhor o processo, que se iniciou há poucos meses. Tem um trabalho muito forte da companhia e do estado, por intermédio do IFC, de conversar com esses acionistas.
Nós já fazíamos recorrentemente reuniões com investidores, e essas reuniões têm ficado mais intensas, exatamente para mostrar o que é a empresa hoje e quais são as perspectivas do processo de privatização.
O engajamento dos potenciais investidores vai acontecer naturalmente ao longo do tempo. A medida que o tempo vai passando, esses acionistas vêm com mais apetite.
RAIO-X
ANDRÉ SALCEDO, 45
Graduado em Engenharia Elétrica e de Produção pela PUC-Rio, tem mestrado em Engenharia Elétrica pela mesma universidade e MBA em Parcerias Público-Privadas e Concessões pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Foi diretor-financeiro da Akad Seguros e diretor-executivo de Novos Negócios da Iguá Saneamento.
FERNANDO CANZIAN / Folhapress