SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “É estranho”, disse Caroline Marks, com o troféu de campeã mundial de surfe nas mãos. “O ano passado foi um ponto baixo para mim, e este tem sido o ano melhor ano da minha vida. É meio maluco. Sou grata.”
Filipe Toledo, então, sentiu a urgência de retomar o microfone. Ele já tinha discursado como campeão, mas fez questão de apresentar um adendo, retomando as palavras de Caroline. “Tomem isso como um exemplo. A vida não é fácil. Mantenham-se firmes. Fé em Deus, o Homem lá de cima vai cuidar de vocês.”
Toledo e Marks se abraçaram. Era fácil a identificação entre o brasileiro de 28 anos e a norte-americana de 21. E não chegou a ser surpreendente que os dois, após desempenhos atléticos espetaculares, no último sábado (9), em San Clemente, nos Estados Unidos, tenham mencionado muito mais a mente do que o corpo.
O paulista já há algum tempo fala abertamente sobre a depressão que teve de superar para se tornar campeão -agora bicampeão- do mundo. Caroline, que fez sua primeira aparição na elite do circuito como um prodígio de 13 anos, precisou fazer uma pausa aos 20, quando abriu mão da disputa pela taça e se afastou dos torneios para se encontrar.
“Passei por um período muito difícil no ano passado. Mentalmente e fisicamente, precisava de um tempo fora. Definitivamente, tive momentos em que duvidei de mim mesma, não tinha certeza de que voltaria a um lugar de felicidade. É muito bom estar de volta, ser feliz, aproveitar o surfe com as pessoas a meu redor”, disse a surfista da Flórida.
“Não foi uma decisão fácil fazer a pausa, mas minha equipe de apoio estava, tipo: ‘Isto precisa acontecer’. E sou grata. O que é um ano se tenho a vida pela frente? Não é um sprint, é uma maratona. Cada momento fora do circuito foi uma eternidade, mas eu aprendi tanto sobre mim, e isso me fez ter todo um novo apreço pelo surfe”, acrescentou.
Filipe não chegou a se ausentar do campeonato, mas sofreu muito com outra ausência, a dos filhos. Foi só quando conseguiu acertar de maneira aceitável a complicada agenda de surfista de elite com a de marido e pai que deu vazão a seu inegável talento. Por isso, a cada vitória, agradece à sua mulher, Ananda Marçal, 29, e manifesta seu amor pelos filhos, Mahina, 6, e Koa, 5.
O vital apoio da família não foi o único. Como ele contou algumas vezes, a ajuda de um profissional da saúde foi fundamental. O que não afasta por completo “pensamentos ruins”, como diz o atleta, mas oferece ferramentas para combatê-los.
“A mente é assim, acaba querendo levar a gente sempre para o lado mais fraco, aquele que acha que não vai dar, que você não vai conseguir. O ser humano é assim. Se eu falasse que isso não acontece comigo, estaria mentindo, acho que acontece com a maioria das pessoas. É aí que a gente tem que se manter forte, firme”, afirmou.
“Esses pensamentos ruins eram aquela coisa, a insegurança de saber se vai conseguir, se vai ser duas vezes campeão, era a história a ser feita, com a família toda na praia, todo o mundo acompanhando. A mente fica manipulando a gente, querendo levar a gente. Eu tive esses pensamentos, mas, graças à minha família, à minha esposa… Consegui conversar com ela um dia antes, isso me tranquilizou. Consegui deixar tudo de lado e focar a competição. Deu no que deu.”
Campeão, Toledo passou brevemente pela festa de fim da temporada da Liga Mundial. “As crianças estavam muito cansadas. Dia muito longo, né, velho? Tá maluco! A gente passou, deu um oi e foi descansar”, relatou.
Já a festeira Caroline até agora apresenta alguma rouquidão. “Eu me diverti demais! Fiquei berrando e gritando”, gargalhou, ciente de que os urros só foram possíveis após os momentos de silêncio.
“Tudo acontece por uma razão. Meu tempo fora realmente foi necessário para me trazer a este ponto, porque tive de superar muitas coisas mentalmente. Acho que isso me fez muito mais forte mentalmente”, observou.
“E, para ser um campeão do mundo, você precisa estar forte mentalmente.”
MARCOS GUEDES / Folhapress