FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) – A acne é um dos principais efeitos indesejados da terapia hormonal na população transgênero e pode prejudicar a saúde mental, com agravamento de quadros de ansiedade, depressão e ideação suicida.
“A literatura mostra uma incidência de acne de 40% a 89% nos homens trans que fazem uso de hormonoterapia”, diz Felipe Aguinaga, coordenador do Ambulatório de Dermatologia e Diversidade de Gênero da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
A questão foi tema de uma das palestras do 76o Congresso da Sociedade Brasileira de Dermatologia, realizado de 7 a 9 de setembro em Florianópolis.
Na ocasião, os especialistas também discutiram outras dermatoses na população LGBTQIA+, como calvície. “A testosterona provoca vários efeitos relevantes no corpo dos homens trans. Muitos efeitos desejáveis, como ganho de massa muscular, aumento de pelos corporais e faciais, e alguns indesejáveis, como alopecia androgenética e acne”, afirma Aguinaga.
A acne é um efeito precoce, com início já nos primeiros três meses de hormonioterapia. Sua incidência vai aumentando ao longo do tempo, com pico de 6 a 12 meses após o início do tratamento hormonal. Com dois anos de uso da testosterona, ela atinge entre 40% e 80% dos homens trans.
“Os homens trans têm níveis de ansiedade, depressão e ideação suicida maiores do que os homens cis, e os homens trans com acne têm níveis ainda maiores”, alerta o especialista.
Entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença estão IMC (índice de massa corporal) elevado, tabagismo e níveis de testosterona acima de 630. História prévia de acne, uso concomitante de progestágenos e idade mais avançada também podem contribuir para o surgimento da acne.
Outro traço nessa população é a maior prevalência de acne no tronco, possivelmente devido ao binder. “Os homens trans que não fizeram a mastectomia muitas vezes usam esse top para deixar o tórax com uma aparência mais plana. Como ele é bem apertado, pode provocar acne e predispor o surgimento de micose.”
Já entre as mulheres trans, a hormonioterapia tem um efeito oposto: ela resseca a pele. Por isso, algumas desenvolvem quadros de coceira e alergia. Fragilidade das unhas e do cabelo também é um aspecto observado com frequência.
Além disso, as calcinhas com compressão podem causar irritações e alergia em mulheres trans que não fizeram a cirurgia de redesignação sexual.
O processo de transição, no caso de quem opta por cirurgias, deixa cicatrizes que podem incomodar e levar aos consultórios. “Alguns homens trans também procuram tratamentos para aumentar a quantidade de pelos do corpo, a quantidade de pelos da barba, e a dermatologia tem recursos para oferecer a essa população”, diz Aguinaga.
Já para aqueles que passam pelo arriscado processo de aplicação de silicone industrial não há muito a fazer, alerta o especialista.
“Como o processo de transição seguro, acompanhado por médicos, tem um acesso muito difícil embora esteja previsto no SUS, são poucos os centros que oferecem e muitas mulheres trans e travestis vivem uma situação de vulnerabilidade social, elas acabam recorrendo a procedimentos que não são seguros”, afirma.
“O silicone industrial gera tanto complicações no momento da aplicação quanto anos depois, e temos muito pouco a fazer por essas pacientes, num nível individual. Conseguimos amenizar determinados sintomas, mas é um problema coletivo, de saúde pública, e para resolver deveríamos aumentar o acesso a processos seguros de transição.”
Problemas capilares também atingem essa população. No homem trans, a calvície ocorre devido à própria hormonização. Se o paciente tem uma tendência familiar à alopecia, ele pode desenvolvê-la com o uso da testosterona.
“Já a alopecia androgenética em mulheres transgênero ocorre quando o menino que transiciona para menina já tinha um quadro de calvície. O cabelo cresce, mas mantém as entradas que existiam”, afirma o dermatologista Canuto Leite.
TRATAMENTOS
“Em geral, quando a paciente procura feminizar a face, podemos oferecer recursos como preenchimento, toxina botulínica e depilação a laser, mas é muito importante ouvir as demandas e evitar padrões preestabelecidos do que é feminino e o que é masculino”, afirma Aguinaga.
Para a acne também é necessário tomar cuidados específicos. Produtos que bloqueiam a ação da testosterona podem atrapalhar os efeitos da hormonização, assim como o uso de contraceptivos combinados com estrogênio.
Além disso, é importante lembrar que a testosterona, isoladamente, não impede a gravidez e homens trans podem engravidar. Assim, é preciso discutir as opções disponíveis com o médico e verificar se são teratogênicas, ou seja, se alteram o desenvolvimento do feto.
Quanto aos quadros de calvície, os produtos de aplicação diretamente no couro cabeludo são os mais indicados. Já medicações orais devem ser analisadas com cuidado, pois podem favorecer o surgimento de pelos no rosto, indesejados pelas mulheres trans.
O transplante capilar é outra opção, lembra Leite. Ele pode ser realizado no couro cabeludo, respeitando as linhas de implantação de cada gênero mais anguladas nos homens e mais arredondadas nas mulheres, e na barba.
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A repórter viajou a convite da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia)
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress