Os irmãos donos da 123milhas, Augusto Julio e Ramiro Julio Soares Madureira, tiveram R$ 50 milhões bloqueados por decisão da 15ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte.
A reportagem questionou a 123milhas a respeito da decisão. A empresa informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que “ainda não foi notificada pela 15ª Vara Cível de Belo Horizonte, mas que irá recorrer da decisão dentro do prazo legal”.
A ação foi movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que levou em conta o dano coletivo ao consumidor pela suspensão do fornecimento dos serviços de turismo, em especial da linha Promo, desde 18 de agosto.
Na ocasião, a 123 milhas afirmou que não emitiria as passagens com embarque previsto entre setembro e dezembro de 2023 e que devolveria os valores pagos por meio de vouchers, acrescidos de correção monetária de 150% do CDI, acima da inflação e dos juros de mercado, para compra de passagens, hotéis e pacotes na própria empresa.
No entanto, a companhia entrou com pedido de recuperação judicial no último dia 29, sendo atendida dois dias depois, com uma liminar concedida pela 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte. A partir do momento em que entrou com o pedido, a 123milhas suspendeu os vouchers. A empresa também deixou de entregar todos os produtos vendidos até então, mesmo os que não eram da linha Promo.
O juiz Eduardo Henrique de Oliveira Ramiro indicou a “necessidade de não obstaculizar a integral reparação dos danos causados, resguardando-se de pronto algum numerário para o ressarcimento futuro dos milhares de consumidores lesados, devendo preponderar o interesse coletivo, em detrimento da separação entre a pessoa jurídica e seus sócios”.
O Ministério Público apontou que os R$ 50 milhões representam cerca de 1% do faturamento anual da companhia, da ordem de R$ 5 bilhões.
Conforme reportagem da Folha de S.Paulo, na sentença em que concedeu a recuperação judicial à 123milhas, a juíza Cláudia Helena Batista, da 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, advertiu a plataforma de turismo que os direitos dos consumidores os maiores credores da empresa deveriam ser respeitados. A magistrada alertou que os donos da companhia podem pagar do próprio bolso eventuais danos causados aos clientes.
“Defiro parcialmente o arresto, a fim de garantir o recebimento de eventuais créditos pelo exequente, e determino pesquisa e bloqueio através dos sistemas SISBAJUD, RENAJUD e CNIB, para bloqueio de bens e valores existentes em nome dos réus Ramiro Júlio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, até o valor de R$ 50 milhões, conforme requerido”, informou o juiz na sentença.
Na opinião do advogado Gabriel de Britto Silva, especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania), a decisão foi acertada, ao aplicar o artigo 28 do parágrafo 5º do Código de Defesa do Consumidor. A legislação diz que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
“O fato de a sociedade estar em recuperação judicial já é suficiente para concluir pela configuração da insuficiência patrimonial, ou seja, o estado recuperacional é hábil para demonstrar a inidoneidade financeira da empresa”, diz Silva.
Segundo ele, ante a impossibilidade de cumprir todos os contratos celebrados pela 123milhas e HotMilhas com os consumidores, assim como a impossibilidade de restituição integral dos valores corrigidos, foi necessário desconsiderar a personalidade jurídica das empresas.
“Desta forma, os consumidores, em suas respectivas ações judiciais, poderão pleitear a instauração desse incidente de desconsideração da personalidade jurídica para terem a garantia de receber os valores devidos, ainda que parcialmente, via atingimento do patrimônio pessoal dos sócios das recuperandas”, afirma.
Mas o advogado Filipe Denki, no entanto, acredita que a desconsideração da personalidade jurídica, em uma decisão sumária, é algo perigoso. “Essa decisão deve ser revertida facilmente em um Tribunal de Justiça”, diz ele, especialista em recuperação judicial, do escritório Lara Martins Advogados.
“É preciso ouvir as partes antes de tomar uma decisão como esta. É mais um deferimento pensando em clamor público, do que no embasamento jurídico.”
Denki diz que a decisão vale para o arresto dos bens mas, até o momento, trata-se apenas de um bloqueio. Não pode haver movimentação financeira ou venda de patrimônio. “A princípio, não gera prejuízo para os sócios.”
DANIELE MADUREIRA E CRISTIANE GERCINA / Folhapress