Petrobras compra créditos de carbono de projeto com desmatamento e sem base ‘plausível’

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A Petrobras comprou créditos de carbono de um projeto onde houve desmatamento de floresta amazônica e com uma base de dados sobre desmate, usada para o cálculo dos créditos, considerada “não plausível”.

Além disso, o projeto Envira Amazônia, com quem a estatal fez a primeira transação do tipo, teve negada a renovação do projeto pela empresa que certifica iniciativas de crédito de carbono.

O documento da Verra que nega a renovação é de 23 de maio de 2023, três meses e meio antes do anúncio da Petrobras ao mercado sobre a compra dos créditos.

O projeto fica no Acre, a 40 km em linha reta da cidade de Feijó. É uma propriedade apontada como privada, de 200 mil hectares, dos quais 39,3 mil hectares são destinados à iniciativa —manter a floresta em pé, em vez de desmatá-la para a constituição de uma fazenda, e assim gerar os créditos de carbono como os comprados pela Petrobras.

Em 2018, a organização não governamental WRM (sigla em inglês para Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais) afirmou que famílias de seringueiros vivem há gerações na área e que há contestação quanto à propriedade do terreno.

Os documentos do projeto Envira Amazônia apontam a presença de comunidades extrativistas dentro e fora do imóvel rural.

Ao divulgar ao mercado que comprou 175 mil créditos de carbono do projeto, o equivalente a 175 mil toneladas de CO2 que seriam evitadas e a uma alegada preservação de 570 hectares de floresta, a Petrobras omitiu quanto pagou pelo crédito. O comunicado foi feito no último dia 5.

À reportagem, a estatal disse que manterá o segredo sobre o valor pago. “Em função das dinâmicas de mercado, essa informação não será divulgada”, afirmou em nota.

“Houve um amplo processo competitivo para selecionar a melhor proposta para a qualidade dos créditos previstos na operação.”

A Petrobras confirmou a ocorrência de desmatamento na área usada para o projeto. Segundo a estatal, o projeto reportou um desmate de 464,8 hectares, “aproximadamente 1%”, desde o início do empreendimento.

“Tal reporte representa a contabilidade transparente requerida de um projeto de REDD+”, disse.

A geração de crédito de carbono ocorre a partir de atividades que evitem desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Os créditos gerados são vendidos a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.

A Petrobras afirmou que, em caso de “desmatamento relevante”, não é autorizada a emissão de créditos previstos na linha de base original usada para os cálculos.

A estatal disse que existe um mecanismo chamado seguro de permanência, acionado em caso de perda de estoques de carbono.

“O projeto prevê 23% de retenção de créditos a título de seguro de permanência. Os créditos de reserva podem ser cancelados para compensarem prejuízo”, citou a nota da empresa.

O Envira Amazônia é desenvolvido por CarbonCo, com sede nos Estados Unidos, e JR Agropecuária e Empreendimentos, de Rio Branco (AC). As duas empresas não responderam aos questionamentos da reportagem.

Em abril de 2022, a associação que reúne as principais empresas do mercado de crédito de carbono no país —Aliança Brasil NBS— participou de consulta pública sobre o projeto Envira Amazônia e elaborou um documento em que aponta falhas na iniciativa.

Conforme o documento, a base usada não é plausível. Essa base apontou um desmatamento anual médio de 16%, e um desmatamento planejado de mais de 30 mil hectares no primeiro ano.

Depois, de forma “arbitrária e conservadora”, a base usada foi de 8 mil hectares de potencial devastação em quatro anos, segundo a Aliança Brasil.

A associação elencou pontos considerados problemáticos: a falta de apresentação de licenças para o desmate, a falta de evidências de que esse desmate seria planejado e o fato de um dos proponentes, a JR Agropecuária, ser também um dos agentes do desmatamento.

Um crédito é calculado a partir do dano que se evita, por isso a base usada é essencial no cálculo.

“Quando há o cálculo sobre essa pressão de desmatamento, é necessário avaliar em quanto tempo esse desmatamento será realizado”, disse à reportagem, em resposta por email, a coordenadora-geral da Aliança Brasil, Carla Zorzanelli. “No projeto Envira há a possibilidade de geração do número de créditos proposto, porém há uma dúvida quanto à velocidade proposta de desmatamento.”

A renovação do projeto foi negada pela Verra, empresa certificadora, em maio deste ano. Isso não significou a rejeição do projeto, mas a permanência da iniciativa no status “registrado”, conforme o documento sobre a negativa.

O projeto permanece registrado e pode vender créditos de carbono, disse a Verra em nota. “Unidades de carbono verificadas e disponíveis para venda poderão ser vendidas.”

Segundo a Petrobras, a linha de base do projeto foi revista e aceita pela Verra. “O rating emitido para o referido projeto é compatível com os melhores projetos do mercado brasileiro no banco de dados de REDD+ dessas agências”, disse.

Sobre a negativa da renovação do projeto em 2023, a estatal disse não ter informação. “A Petrobras analisou o monitoramento e verificações relativos à safra comprada, 2019-2021, estando todas regulares.”

Nos relatórios consultados, não houve menção à disputa fundiária na área, conforme a estatal.

Estamos continuamente avaliando nossos procedimentos, para incorporar as melhores práticas de due diligence quanto à elegibilidade dos créditos

em nota

“O projeto Envira Amazônia foi validado no nível ouro para adaptação climática e benefícios excepcionais para as comunidades e biodiversidade. Nosso posicionamento envolve a aquisição apenas de créditos com alta integridade e qualidade, com os melhores selos de verificação.”

A Petrobras prevê gastar US$ 120 milhões (R$ 589,2 milhões, pela cotação do dólar nesta quarta, 13) na aquisição de créditos de carbono até 2027.

“Estamos continuamente avaliando nossos procedimentos, para incorporar as melhores práticas de due diligence quanto à elegibilidade dos créditos”, afirmou a estatal.

VINICIUS SASSINE / Folhapress

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