BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados aprovou um dispositivo que permite ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pagar um piso menor da saúde em 2023, numa tentativa de resolver o impasse jurídico e orçamentário criado pela sanção do novo arcabouço fiscal.
O artigo foi incluído na última versão do parecer ao projeto de lei complementar que trata da compensação da União a estados e municípios pelos cortes no ICMS, imposto estadual, em 2022. A alteração foi feita pelo relator, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), que também é líder da sigla na Câmara.
A medida está alinhada aos interesses da equipe econômica, que tem buscado soluções para o problema, como mostrou a Folha de S. Paulo.
A sanção do novo arcabouço fiscal criou um impasse ao revogar de forma imediata a regra do teto de gastos, que previa um piso menor para as áreas de Saúde e Educação, corrigido apenas pela inflação anual.
Com isso, voltam a valer as regras constitucionais que destinam 15% da RCL (receita corrente líquida) para a Saúde e 18% da RLI (receita líquida de impostos) para a Educação.
No último relatório bimestral do Orçamento, divulgado em 22 de julho, o governo tomou como base uma RCL de R$ 1,258 trilhão.
Nesse cenário, a proporção mínima de aplicação na Saúde seria de R$ 188,7 bilhões. A dotação reservada, porém, está em R$ 170,65 bilhões, segundo o relatório resumido de execução orçamentária do mês de julho.
O valor é maior do que o piso de R$ 147,9 bilhões da regra do teto de gastos, mas R$ 18 bilhões menor do que seria o mínimo vinculado às receitas.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse em entrevista coletiva em 31 de agosto que exigir do governo o cumprimento dessa regra imporia um apagão (“shutdown”) aos demais ministérios. O cenário é considerado inviável.
Para resolver o problema, Zeca Dirceu incluiu um artigo que fixa a RCL prevista na Lei Orçamentária, sancionada em janeiro, como a referência para o piso da Saúde em 2023. Nesse documento, a receita foi estimada em R$ 1,138 trilhão, e 15% disso resulta em um mínimo de R$ 170,76 bilhões –bem mais próximo da dotação atual.
Se ainda assim for necessário fazer alguma complementação, o projeto prevê ainda que ela será destinada a transferências do Fundo Nacional de Saúde aos fundos de saúde de estados e municípios.
O governo vinha discutindo a apresentação de uma consulta sobre o tema ao TCU (Tribunal de Contas da União). A tese do governo é que a lei complementar do novo arcabouço fiscal prevê a manutenção dos limites máximos para gastos já aprovados para 2023, e a mesma lógica deveria ser aplicada aos mínimos constitucionais.
Até agora, porém, o governo não formalizou a consulta ao TCU, o que tem gerado desconforto no tribunal. Há uma leitura de que o Executivo tenta se esquivar do desgaste político de deixar sua digital em um documento que pode ser visto como um pedido para descumprir os mínimos de saúde e educação.
Na terça-feira (12), o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, disse que a solução para cumprir os mínimos constitucionais de recursos em saúde e educação em 2023 ainda estava em aberto.
Ele reiterou a intenção do governo de enviar a consulta ao TCU, mas admitiu que os próximos passos seriam avaliados diante da existência de uma representação do Ministério Público junto ao TCU sobre a mesma questão. O processo foi aberto em 5 de setembro.
Na ocasião, ele disse que “é a intenção do governo” prosseguir no assunto, mas “o importante é a tese”.
Após a aprovação do projeto na Câmara, fontes do governo afirmaram, reservadamente, que o dispositivo representa “uma boa solução” para o problema.
IDIANA TOMAZELLI E JOÃO GABRIEL / Folhapress