SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Passado quase um ano da eleição, a polarização do Brasil entre os adversários daquele pleito, o vencedor Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o derrotado Jair Bolsonaro (PL), segue intacta. Se dizem petistas convictos 29% dos eleitores, ante 25% que afirmam ser bolsonaristas raiz.
Ocupam as zonas cinzentas 18% do eleitorado, 11% afirmando ser mais próximos do petismo e 7%, do bolsonarismo. O centro equidistante é declarado por 21%, enquanto 5% rejeitam qualquer posicionamento. Apenas 1% não opinou.
Os dados são de pesquisa feita pelo Datafolha com 2.016 pessoas em 139 cidades, nos dias 12 e 13 deste mês.
É a quarta vez em que o instituto busca mapear o espectro ideológico do país depois da eleição mais polarizada desde a redemocratização, vencida por Lula por 1,8 ponto percentual no segundo turno de 30 de outubro passado.
Com a margem de erro de dois pontos para mais ou para menos, o que se vê é uma flutuação mínima desde a primeira rodada, em dezembro de 2022, e a atual. Da mais recente, em junho, o cenário nos extremos é idêntico.
A impermeabilidade do quadro ocorre mesmo com o bombardeio quase diário de notícias negativas acerca do ex-presidente, que no caminho perdeu no Tribunal Superior Eleitoral o direito de disputar qualquer pleito até 2030 por sua campanha contra o sistema eleitoral brasileiro.
Além disso, Bolsonaro enfrenta investigações acerca de seu papel nos atos golpistas do 8 de janeiro e sobre o escândalo das joias que lhe foram dadas de presente por autoridades sauditas que, em vez de ir para o arquivo da União, foram vendidas nos Estados Unidos por seu ajudante de ordens.
Até aqui, o ex-presidente trata as acusações como perseguição política, à maneira de seu ídolo político, o também ex-mandatário americano Donald Trump, que poderá contudo disputar a eleição de 2024 mesmo se estiver preso.
Já Lula está em uma situação mais confortável, com 38% de aprovação segundo a mesma pesquisa do Datafolha. Ainda assim, seu governo enfrenta dificuldades na relação política com o Congresso, tendo tido de ceder espaço adicional no ministério para tentar cabalar votos do antes demonizado centrão.
O presidente, por sua vez, tem se enrolado com declarações polêmicas na política externa, como as críticas ao Tribunal Penal Internacional que quer prender o russo Vladimir Putin, e toda uma sorte de outras falas vistas como politicamente desastradas, como a defesa do voto sigiloso no Supremo Tribunal Federal.
Tem sido alvejado inclusive por sua base à esquerda, como no caso dos votos conservadores proferidos pelo primeiro ministro que indicou ao Supremo, seu ex-advogado Cristiano Zanin. Nada disso, contudo, alterou a coloração da paleta ideológica aferida pelo Datafolha.
Do ponto de vista dos diversos estratos da pesquisa, há pouca diferença do que se atesta usualmente em levantamentos eleitorais ou de avaliação de governos. É uma transmutação do antigo mapa azul/vermelho que designou a prevalência do PSDB e do PT na política nacional, algo que vigorou de 1994 a 2014.
Aqueles que se dizem mais petistas são os moradores do Nordeste (44% no grupo, que representa 26% da amostra populacional do Datafolha), menos instruídos (44% entre quem fez até o fundamental, 28% dos ouvidos), mais pobres (37% entre os 51% que ganham até 2 salários mínimos) e católicos (37%, 47% da amostra).
Já os bolsonaristas mais convictos são mais encontrados na classe média (33% entre os que ganham de 5 a 10 salários mínimos, 8% da amostra), 33% entre os 14% que moram no Sul, 34% entre os 16% habitantes do Norte/Centro-Oeste e 38%, nos sempre em evidência política evangélicos.
O ensanduichado centro, por sua vez, tem maior representatividade entre os jovens de 16 a 24 anos, 30% no grupo que representa 17% dos entrevistados, e aqueles 22% com curso superior (28% de opção pela categoria).
O cenário é de grande dificuldade para o descolamento de um nome alternativo, como de resto já vem sendo desde 2018. Uma coleção de nomes querendo encarnar a terceira via veio e se foi, do derrotado Ciro Gomes (PDT) a João Doria (ex-PSDB), que nem disputar a Presidência conseguiu.
Politicamente, a polarização é um jogo que favorece seus atores principais. É de interesse tanto de Lula quanto de Bolsonaro que seu adversário ocupe um espaço simbólico na cabeça do eleitor, que acaba por se refletir nas movimentações da política real. São eles, não o centrão ou a esquerda, que têm voto afinal.
Com Bolsonaro fora do jogo em 2026, considerando que Lula estará apto para tentar a reeleição, sobra a questão sobre quem herdará sua vaga. Os dois nomes mais usualmente citados na direita, os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Romeu Zema (Novo-MG), buscam uma boa relação com o ex-presidente, mas também tentam se mostrar independentes.
A coisa se complica também no nível municipal, que terá eleições já no ano que vem. O caso do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), é emblemático: governando uma cidade em cujo o pêndulo político ora está mais à esquerda, ele tenta o malabarismo se mostrar distante do ex-presidente, mas com seu apoio e, provavelmente, com um vice bolsonarista na chapa.
O fato é que, sob escrutínio intenso desde que deixou o poder, Bolsonaro segue com um séquito fiel.
Segundo o Datafolha, 36% daqueles que votaram nele em 2022 dizem confiar ainda mais no ex-presidente agora. Outros 48% mantiveram igual seu grau de confiança, com apenas 15% afirmando confiar menos no político.
Quando questionados sobre a convicção do voto em 2022, tanto lulistas (91%) quanto bolsonaristas (93%) não se dizem arrependidos. Entre aqueles que votaram nulo ou branco, 79% se dizem confortáveis com a decisão, e 18% ponderam que teria sido melhor ter feito uma escolha.
IGOR GIELOW / Folhapress