Em feito inédito, cientistas crescem rim humano em embrião de porco por 28 dias

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram crescer células de rim humano em um embrião de outro animal.

O experimento conseguiu implantar com sucesso células embrionárias humanas que dão origem ao rim em embriões de porcos. Ao mesmo tempo, os cientistas desativaram os genes no embrião de porco que seriam responsáveis por criar o órgão renal.

Apesar de ainda estar distante de ser um rim totalmente humano e funcional, o achado pode abrir o caminho para o desenvolvimento de órgãos humanos em outros animais e auxiliar em pesquisas sobre o surgimento de doenças ainda na fase embrionária.

A pesquisa, desenvolvida por cientistas do Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou, ligado à Academia Chinesa de Ciências, e da Universidade Wuyi (Guangdong), também na China, foi publicada na revista especializada Cell Stem Cell (do grupo Cell) no último dia 7.

Na pesquisa, 1.820 embriões modificados foram implantados em 13 fêmeas para gestação, que foi interrompida após 25 ou 28 dias. Dois embriões de 25 dias e três de 28 dias foram analisados. Na análise do embrião com 28 dias já era possível ver alguns dos túbulos e tecidos que depois se especializaram na uretra, o canal que conecta os rins à bexiga.

O fato de ter conseguido, com sucesso, crescer células embrionárias humanas em um tipo de quimera (junção de duas espécies diferentes, no caso porco e humano) é um grande avanço para a ciência, uma vez que pesquisas na área até então tinham conseguido criar com sucesso órgãos como pâncreas, timo e rins de ratos em camundongos.

Para conseguir viabilizar o embrião quimérico, primeiro os cientistas desativaram por meio da tecnologia Crispr —que atua como uma ferramenta de edição gênica— os dois genes responsáveis por produzir o rim do animal hospedeiro.

Já as células embrionárias humanas foram obtidas a partir de células-tronco pluripotentes, isto é, que podem dar origem a qualquer tipo de tecido no organismo, “desligadas” para impedir o processo de morte celular, por exemplo. Basicamente, as células só teriam a capacidade de formar o tecido embrionário renal, e não em outras partes do embrião.

A terceira e última etapa foi cultivar essas células —que, nesta etapa, ainda eram um agregado inicial de células na embriogênese, conhecida como mórula— em uma cultura especial que fosse capaz de receber sangue e nutrientes tanto de células humanas quanto suínas.

Este passo foi importante porque no experimento os cientistas só tinham desligado os genes de porco que formam as células de filtração dos rins, mas os vasos sanguíneos e outros elementos ao redor seriam de um embrião saudável de porco.

“As tentativas iniciais de criar órgãos humanos em porcos falharam, muito porque após a implementação essa etapa de crescimento falhava. Nossa abordagem melhorou a integração das células humanas no tecido embrionário e possibilitou pela primeira vez criar um órgão humano em porcos”, afirmou Liangxue Lai , pesquisador principal do Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou e coordenador do estudo.

A principal barreira no passado era as células embrionárias do animal hospedeiro competirem com as células implantadas que se queria crescer, explica Zhen Dai, um outro colaborador da pesquisa. “Nós vimos que criando uma espécie de ‘bolsa’ [nicho] para as células humanas no embrião de porco, elas vão crescer naturalmente nesses espaços e não em outros. E as células do mesonefro observadas eram humanas, superando essa barreira.”

De fato, foram encontradas poucas células humanas em outros tecidos no embrião que davam origem ao sistema nervoso e à medula espinhal, e nenhuma célula na chamada área germinativa, o que poderia ser uma questão ética grave. “Isto pode ser evitado no futuro com a desativação de mais genes nas células humanas embrionárias, evitando assim o desenvolvimento de tecido humano em outras partes do embrião”, escreveram os autores.

“É sempre uma barreira, porque ao tentar desenvolver embriões modificados você precisa ter atenção a dois tipos de tecidos: o germinativo, para impedir a formação de óvulos ou espermatozoides humanos na quimera, que eventualmente poderiam levar ao gameta de um humano em um outro animal; e o outro é o tecido nervoso, porque aí entramos em uma questão de o que faz os seres humanos uma espécie distinta das outras é a nossa consciência”, afirmou a pesquisadora e professora titular de genética da USP Lygia Veiga Pereira, que comentou o estudo a pedido da reportagem.

“Por ser um tema delicado precisa avançar seguindo padrões éticos e de boas práticas rigorosos, e eles conseguiram isso.”

Os estudos sobre a viabilidade de crescimento de órgãos em outros modelos animais a partir de células-tronco ou de animais transgênicos, modificados para conterem os genes humanos, apoiam-se hoje na necessidade de milhares de pacientes que aguardam por transplantes.

Recentemente, um xenotransplante (transplante realizado entre um doador animal e um receptor humano) de coração de porco em um homem teve sucesso por aproximadamente dois meses, até o paciente sofrer uma parada cardíaca. No procedimento, o coração do porco havia sido modificado para apresentar genes humanos e reduzir a rejeição do hospedeiro, mas uma série de processos envolvendo anticorpos anti-suíno levaram à morte do paciente.

“Mas do ponto de vista da pesquisa básica é fascinante. Como de fato uma alternativa para a produção de órgãos para transplante em humanos, ainda é muito distante, mas esse salto nas pesquisas com embriões de espécies de animais diferentes a partir de células-tronco foi incrível, algo de dez anos, mesmo”, completa.

Os próximos passos da pesquisa devem focar o crescimento por um período de tempo maior dos embriões e também de outros órgãos, como pâncreas e coração. “Mas os órgãos não são formados por um único tipo de células, então até conseguir alcançar um órgão onde tudo vem de origem humana vamos precisar fazer engenharia genética nos embriões suínos mais complexas e que devem trazer ainda novos desafios”, disse Miguel Esteban, autor sênior do estudo e também pesquisador do Instituto de Guangzhou.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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