Decreto de Lula no saneamento leva empresas municipais à Justiça

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As empresas municipais de saneamento básico devem recorrer ao Judiciário para rever ao menos parte de um decreto do governo federal que alterou as regras no setor.

O ponto que incomoda as companhias determina que os municípios somente poderão tomar a frente do processo -sem delegá-lo ao estado ou a um conglomerado de cidades- após a aprovação de uma lei estadual.

A mudança deve afetar 1.700 municípios que hoje operam pela chamada prestação direta -quando alguma entidade ligada a essas prefeituras presta o serviço. Com o decreto, será necessária uma autorização do estado para continuar a atividade.

A novidade, que não estava nos primeiros decretos editados pelo governo, surgiu como solução no novo normativo da Presidência (editado em julho) para o problema vivenciado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), na Bahia.

Salvador (BA) é atendida pela companhia estadual Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento). Entre 2014 e 2022, o estado foi comandado por Costa, que conseguiu emplacar seu sucessor, o também petista Jerônimo Rodrigues.

Seguindo as regras do Marco do Saneamento, Salvador precisaria relicitar a prestação do serviço, já que o contrato com a Embasa está vencido. O serviço representa cerca de 35% da estatal baiana.

O problema é que Salvador é comandada por um adversário político do grupo de Costa. O prefeito é Bruno Reis (União), que foi apoiado por ACM Neto (União) em 2020. Neto foi o candidato derrotado na disputa pelo governo estadual em 2022.

O decreto diz que a prestação direta dos serviços em determinado município “poderá ser autorizada […] desde que haja previsão na legislação de criação da estrutura de prestação regionalizada”. Essa legislação é de responsabilidade do estado.

Na prática, o ponto contestado pelas empresas municipais impede que Salvador tenha autonomia para agir, já que necessitaria de uma autorização do governo estadual para atuar sozinha.

Procurada, a Casa Civil não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Com o movimento, a disputa em torno da revisão das regras deve chegar ao Judiciário depois de passar pelo Congresso.

A edição de dois decretos revendo pontos do Marco do Saneamento em abril desagradou ao Parlamento, que ameaçou derrubar trechos deles com iniciativas próprias. O ponto mais polêmico retirava a brecha que dispensa licitação para empresas estatais de saneamento.

A principal crítica de parlamentares em relação aos decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era que o governo usou o texto para criar novas regras, que deveriam ser aprovadas no Congresso.

A Câmara dos Deputados chegou a aprová-los em maio e enviá-los para o Senado, na primeira derrota de Lula no Congresso em seu terceiro mandato. Lá, o governo negociou com os parlamentares e conseguiu chegar a um meio-termo, com a edição de um novo decreto em julho revendo pontos da tentativa anterior.

Dessa vez, quem não gostou foram as prestadoras municipais, que foram pegas de surpresa com a inclusão do ponto questionado por elas.

A Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) estuda dois caminhos: tentar derrubar somente o trecho do qual discorda ou recorrer contra o decreto como um todo. A decisão será tomada depois do congresso da entidade, que ocorrerá entre os dias 18 e 22 de setembro em Poços de Caldas (MG). Lá, a associação pretender ter uma última conversa com o Ministério das Cidades. Procurada, a pasta não respondeu.

A melhor empresa municipal de saneamento entre cidades com mais de 1 milhão de habitantes é a Sanasa, de Campinas (SP), de acordo com ranking do Instituto Trata Brasil, entidade que reúne empresas públicas e privadas do setor. O presidente da companhia, Manuelito Magalhães Junior, é um crítico dos novos decretos.

“É uma submissão dos municípios independentes à aprovação de uma legislação estadual sem considerar o grau de adesão de cada município às metas de universalização. A Sanasa está universalizada na água, na coleta, e agora na virada do ano no tratamento. Não faz sentido submeter uma decisão dessas a decisão política”, disse.

LUCAS MARCHESINI / Folhapress

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