HAVANA, CUBA, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) deve utilizar seu discurso na cúpula do G77 + China, neste sábado (16) em Cuba, para condenar o embargo econômico dos Estados Unidos contra a ilha.
A fala do petista na cúpula de países em desenvolvimento deve ser o principal gesto de reaproximação com o regime cubano desde o fim da administração Jair Bolsonaro (PL). A decisão do ex-presidente de determinar que o governo votasse na ONU a favor das sanções americanas foi o maior símbolo do congelamento das relações entre Cuba e Brasil.
A oposição ao embargo é posicionamento histórico da diplomacia brasileira e, antes de Bolsonaro, foi seguida por presidentes de diferentes colorações ideológicas por quase 30 anos. O principal objetivo é reiterar que Brasília não concorda com a aplicação de sanções unilaterais.
Esse posicionamento, no entanto, foi rompido em 2019. Sob a agenda ultraconservadora do ex-chanceler Ernesto Araújo, o Brasil votou naquele ano contra a resolução da ONU que condena o embargo americano a Cuba. Na ocasião, apenas Israel e EUA votaram da mesma maneira que o Brasil. Após a saída de Ernesto, o governo Bolsonaro se absteve nas duas votações subsequentes sobre o tema. A resolução anual deve ser novamente pautada na ONU até o final deste ano.
O embargo a Cuba é um emaranhado de legislações que vem desde a década de 1960 como retaliação à Revolução Cubana. Entre outras medidas, os americanos proíbem importações de produtos de origem cubana e aplicam sanções a subsidiárias americanas no exterior que façam negócios com Cuba.
O governo Lula afirma que as sanções são uma forma de sufocamento do regime cubano. Em fevereiro, antes de uma reunião com o presidente dos EUA, Joe Biden, Lula disse que o bloqueio não faz sentido e prometeu abordar o tema com o americano.
O pronunciamento do petista neste sábado em Havana deve funcionar ainda como uma espécie de prévia de sua fala na abertura da Assembleia-Geral da ONU, na próxima terça-feira (19), em que ele também deve abordar o bloqueio contra Cuba.
Lula também deve reforçar em Cuba outra demanda histórica de Brasília: a reforma no Conselho de Segurança da ONU. Esse tema ganhou ainda mais centralidade na agenda internacional de Lula após a cúpula do Brics (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no mês passado, quando o Brasil aceitou a ampliação do bloco em troca de um compromisso mais firme de Pequim em apoio à reforma do conselho.
O Conselho de Segurança da ONU tem cinco assentos permanentes com poder de veto, ocupados por Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França. Outras dez vagas, que não têm poder de veto, são rotativas e alocadas por região. O Brasil pleiteia uma ampliação do conselho que lhe dê uma cadeira permanente no colegiado.
Em outra frente, a diplomacia brasileira pretende explorar no encontro do G77 a reforma de organismos financeiros internacionais. A avaliação é a de que, especialmente após a pandemia de Covid-19, os países em desenvolvimento ficaram mais endividados e numa situação econômica delicada. Para Brasília, compromissos assumidos pelo mundo em desenvolvimento, como as metas de preservação ambiental, precisam sempre levar em consideração esse contexto.
Além de ser o primeiro a discursar no G77, Lula terá duas reuniões bilaterais em Havana: uma com o diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o chinês Qu Dongyu, e outra com o dirigente cubano, Miguel Díaz-Canel –os dois líderes se encontraram também em Paris, em junho.
Lula desembarcou em Cuba no final da tarde desta sexta-feira (15), acompanhado dos ministros Nísia Trindade (Saúde), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação). Celso Amorim, assessor especial da Presidência, também integra a comitiva.
A delegação enxuta reflete a baixa expectativa por anúncios durante a visita. Um dos poucos esperados deve ocorrer na área da saúde. A ministra Nísia deve assinar, com seu homólogo José Ángel Portal Miranda, um protocolo de cooperação com foco no fortalecimento do complexo industrial da saúde no Brasil. A intenção é a produção de medicamentos e vacinas para doenças crônicas para atender o PNI (Programa Nacional de Imunização) e as necessidades de Cuba.
O ápice da colaboração entre Cuba e Brasil na área da saúde ocorreu com o lançamento do programa Mais Médicos, no governo Dilma Rousseff (PT), que no início previa o envio de médicos cubanos para atender localidades brasileiras desassistidas.
Em 2015, na gestão Dilma, cerca de 60% dos mais de 18 mil médicos participantes do programa eram cubanos. O Mais Médicos virou munição da oposição contra a ex-presidente, uma vez que, no início do programa, parte do dinheiro pago pelo Brasil ao regime não era repassado aos profissionais cubanos –muitos chegaram a alegar falta de igualdade de condições em relação aos médicos de outras nacionalidades.
A maioria dos cubanos deixou o Brasil após a eleição de Bolsonaro, em meio a ameaças de expulsão feitas pelo ex-presidente. O atual Mais Médicos permite a participação de pessoas de qualquer nacionalidade, mas não há acordo específico de cooperação com Cuba como no passado. Hoje, há cerca de 700 cubanos atuando no programa. Segundo integrantes do governo, não há qualquer sinalização de um novo acordo de cooperação nos moldes antigos com Havana.
MARIANNA HOLANDA, RAQUEL LOPES E NATHALIA GARCIA / Folhapress