Conheça os peixes elétricos da Amazônia, que dão descargas de quase 900 volts

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A floresta amazônica pode abrigar muitas riquezas, mas também muitos perigos. Um visitante será orientado a tomar cuidado para não pisar em uma cobra venenosa e a se proteger dos pernilongos, que podem transmitir doenças como dengue e febre amarela.

Mas o risco de sofrer um choque elétrico de um peixe é algo que poucos provavelmente imaginem que possa acontecer.

A Amazônia tem uma diversidade de peixes elétricos capazes de descarregar pulsos elétricos de até 900 volts, o suficiente para provocar um acidente em humanos. Entre as espécies mais conhecidas estão o poraquê, o ituí-cavalo e o tuvira.

Existem no mundo três grupos de peixes capazes de gerar eletricidade: os bagres-elétricos de água doce da África (ordem Siluriformes), as raias elétricas (ordens Torpediniformes e Rajiformes) e os peixes elétricos de água doce neotropicais, que ocorrem desde o norte da Argentina até a América Central e fazem parte da ordem Gymnotiformes.

Dotados de órgãos elétricos, esses animais possuem células especializadas, conhecidas como eletrócitos, em geral produzidas a partir de células musculares modificadas, capazes de emitir e também perceber o campo elétrico. Já no ituí-cavalo, são células neurais modificadas.

Atualmente, são conhecidas cerca de 280 espécies de gimnotiformes, mas é provável que essa diversidade seja expandida, segundo o ictiólogo Luiz Peixoto, professor da UFPA (Universidade Federal do Pará), campus de Bragança.

“Dessa diversidade, cerca de 70 espécies novas foram descritas nos últimos dez anos com o incremento de novas ferramentas tecnológicas, como a tomografia computadorizada”, explica.

“E uma das coisas que mais têm evoluído em termos de conhecimento sobre o grupo é que os choques são espécie-específicos, isto é, cada espécie reconhece as descargas somente da sua própria espécie. Isso é interessante também para explicar a diversidade de formas, já que a própria percepção da eletricidade em cada grupo atuou como um isolamento reprodutivo para as demais espécies”, diz.

Os estudos feitos até então mostram que a maioria dos peixes utiliza a eletricidade para comunicação dentro d’água, servindo tanto para perceber indivíduos da mesma espécie para reprodução como para encontrar alimento ou outros elementos que podem estar submersos. Só o poraquê usa a eletricidade como defesa ou para caça.

Os bagres-elétricos, raias e grande parte dos peixes elétricos da ordem Gymnotiformes produzem descargas elétricas que variam de menos de 10 volts a cerca de 50, o que não é suficiente para ser sentido por uma pessoa, por exemplo. A única espécie de poraquê conhecida até então, Electrophorus electricus, tinha registro de choques de até 480 volts.

Em 2019, pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, no Pará, junto com cientistas do Museu de Zoologia da USP (MZUSP) e do Museu de História Natural do Smithsonian Institute, nos EUA, além de outros institutos nacionais e estrangeiros, descreveram duas novas espécies de poraquê, Electrophorus voltai, cuja descarga foi a maior já registrada, de cerca de 860 volts, e E. varii, com choques atingindo até 572 volts.

“Apesar de não serem enguias, esses peixes são chamados de enguias elétricas justamente por terem uma anatomia muito distinta, com corpo alongado e só três nadadeiras, sendo que eles utilizam a nadadeira anal [localizada embaixo do corpo] para movimento”, diz o ictiólogo, que é também professor de pós-graduação no Neap (Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia), em Belém.

Apesar das descargas altas, os acidentes diretos com peixes elétricos são raros, sendo mais provável sentir a descarga se tocar o animal. É menos provável sentir a descarga elétrica enquanto está no rio no momento da caça dos peixes, explica o pesquisador. “Mas isso depende de diversas condições físico-químicas da água, como turbidez, condutividade, quantidade de matéria orgânica. Não é que não possa acontecer, mas há poucos registros de acidentes fatais envolvendo poraquês.”

A presença de uma substância conhecida como acetilcolinesterase, que pode ser usada no tratamento de doenças neurodegenerativas, nos órgãos elétricos dos animais, e sua biologia única –já que é um mistério ainda como fazem para eles próprios não se eletrocutarem no momento da descarga– reforçam a importância da preservação desses animais

No entanto, a população em geral desconhece a diversidade dos peixes elétricos. “São peixes fascinantes capazes de produzir descargas elétricas, e a maior diversidade observada é na região da Amazônia, o que só reforça a importância do conhecimento biológico sobre eles”, completa Peixoto.

A diversidade e biologia desses animais é tema de uma exposição, aberta na última quarta (13) no MZUSP. A mostra é feita em parceria com o Smithsonian, o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, a Pró-Reitoria de Graduação da USP e o Aquário de São Paulo e, também, tem apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

“Como curador, docente de um museu e também frequentador, valorizo muito trazer essa riqueza do acervo da universidade ao público, para a própria universidade que às vezes não reconhece o tesouro que são as suas coleções científicas e de museus”, afirma Marcelo Duarte, diretor do MZUSP.

Montada na sala de exposições temporárias do museu, antiga sala ocupada por Paulo Vanzolini, um de seus mais longevos diretores, a exposição contém materiais do acervo da Coleção de Ictiologia do MZUSP, displays visuais e também animais vivos em aquários, como o que abriga poraquês e é possível “escutar” o pulso elétrico dos peixes.

“Exposições como essa, mais interativas, conseguem atrair ainda mais um público que já frequenta o espaço e irão retornar interessados na novidade”, explica a diretora da Divisão de Difusão Cultural do MZUSP, Maria Isabel Landim, realizadora do projeto.

A exposição “A vida secreta dos peixes elétricos” ficará em cartaz no Museu de Zoologia da USP, na av. Nazaré, 481, no Ipiranga, zona sul da capital, de quarta a domingo, das 10h às 17h, por um ano.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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