BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Setor que teve sua imagem fortemente vinculada a Jair Bolsonaro (PL) devido em boa parte ao apoio estridente de alguns de seus integrantes, o agronegócio está em uma espécie de divã após oito meses e meio de governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Publicamente, a relação envolve ações em conjunto, sinalizações e uma manifesta boa impressão com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) –também ministro do Desenvolvimento e ponte do setor com o governo– e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento).
O governo luta para penetrar no agro e desbolsonarizá-lo. O agro precisa do governo e não vê problema em fechar os olhos para a diferença ideológica em nome do pragmatismo político e da necessidade de barrar pautas ambientais e fundiárias que considera nocivas a seus interesses.
Nos bastidores, porém, a artilharia é grande contra Carlos Fávaro –o senador e agropecuarista que assumiu um ministério da Agricultura esvaziado– e o governo em geral.
Afirma-se haver inação ou pouca efetividade em medidas anunciadas, além do temor de que a balança penda para o lado das bandeiras do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), históricos rivais.
Nas palavras de um integrante da bancada ruralista, os tempos de “tranquilidade” sob Bolsonaro cederam lugar à política de “contenção de danos” sob Lula.
A reportagem conversou nos últimos dias com vários representantes da cadeia do agronegócio, congressistas e pessoas diretamente vinculadas ao tema. Todas optaram por falar sob anonimato, evidenciando o clima de “pisar em ovos” que marca até agora a relação de Lula com o setor.
O agronegócio é responsável atualmente por 25% do PIB (Produto Interno Bruto), 50% das exportações, 20% dos empregos no Brasil, é representado por uma robusta bancada no Congresso, reunida na FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), e se divide em um sem fim de associações, entre elas a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Apesar de todo esse tamanho e importância, há um consenso de que a ala mais tradicional e poderosa do setor está órfã de uma representação política nacional de peso.
Sob Bolsonaro, boa parte da base, em especial pequenos e médios produtores do Sul e Centro-Oeste, vinculou de corpo e alma ao governo, que ficou caracterizado pelas vistas grossas a ações como desmatamento, garimpo e grilagem.
Esse chão de fábrica ruralista, que trabalha “da porteira para dentro”, é mais antipetista e é representado no Congresso por cerca de metade dos deputados federais, embora tenha um poder menor no Senado (em torno de 20% das cadeiras).
A agroindústria e a cadeia de insumos, serviços e distribuição, que detém maior parte do faturamento e atua “da porteira para fora”, engloba o chamado “agro consciente”, que precisa dessa “consciência” para não perder mercado internacional e que sempre militou mais em um campo cujo protagonismo nacional nas décadas passadas foi do PSDB.
Com o esfarelamento do ex-partido de Alckmin, em especial após 2018, esse grupo uniu-se aos esforços em busca da chamada terceira via, projeto que naufragou em 2022.
Um nome citado por integrantes do PT e do governo como uma “liderança moderna” do agro integra esse grupo. Trata-se de Marcello Brito, ex-presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio).
Brito foi um dos entusiastas da terceira via e embarcou na candidatura de Tebet, nunca tendo escondido ser um crítico e jamais ter votado no PT. Por ser crítico também de Bolsonaro e do que via como uma destruição da imagem do país no exterior, no segundo turno gravou vídeo de apoio a Lula.
A reportagem tentou falar com Brito, hoje secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal, mas ele disse que sua agenda estava lotada por estar acompanhando a Climate Week, em Nova York, evento realizado concomitantemente à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Nas conversas com representantes do agro, um ponto surge no topo da lista de insatisfações atuais: o Ministério da Agricultura.
Sob Bolsonaro, a pasta tinha forte respaldo do presidente da República e status de primeira grandeza. A ministra, a hoje senadora Tereza Cristina (PP-MS), é uma das principais líderes do agro no Congresso.
Sob Lula, a Agricultura foi esvaziada. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) e a Anater (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) foram para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado pelo petista Paulo Teixeira.
A Pesca virou pasta própria.
Já o CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento de controle de terras privadas e conflitos em áreas de preservação, foi para o Meio Ambiente de Marina Silva. Os ruralistas se insurgiram durante a votação das mudanças no Congresso e conseguiram tirar o cadastro de lá, mas ele não voltou para a Agricultura, e sim para o Ministério da Gestão de Esther Dweck, ligada ao PT.
Além do esvaziamento, há um racha ruralista em Mato Grosso que contribui para erodir o capital do ministro.
Fávaro chegou ao posto após uma costura capitaneada ainda durante a pré-campanha eleitoral por Alckmin e Aloizio Mercadante (então coordenador da campanha, hoje presidente do BNDES) e que envolveu também o ex-ministro da Agricultura Neri Geller e o empresário Carlos Augustin, todos ligados ao ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do Brasil.
Augustin, também produtor de soja, é hoje assessor especial de Fávaro.
Procurada, a assessoria do Ministério da Agricultura não se manifestou.
Os poderes reduzidos da pasta se somam às críticas de que a atuação tem se concentrado nos grandes do agronegócio, em detrimento da base, além de um cenário delicado.
Ruralistas ouvidos chamam a atenção para a crise na cadeia produtiva de leite, com a queda de preço do produto provocada pela importação de países do Mercosul, além das reduções do preço da carne, do milho, do trigo e da soja.
Na visão deles, o Ministério da Agricultura e o governo pouco têm feito para ajudar o setor.
As tensões entre Lula e o agro também foram marcadas pelas invasões de terras pelo MST e pelo julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode derrubar a tese ruralista do marco temporal, a de que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição, em 1988.
Embora o governo não tenha relação direta com essas duas ações, políticos do agro afirmam que elas são estimuladas por irem ao encontro das teses defendidas pelo PT.
Lula também irritou o setor ao repetidamente chamar parte dele de fascista.
Da parte positiva, houve a megacomitiva do agro que Lula levou à China, o que incluiu os irmãos Joesley e Wesley Batista, executivos da J&F, controladora da JBS, além do anúncio do Plano Safra 2023/2024, que estabeleceu um recorde de recursos, mas cuja execução e regras são alvo de reclamações e desconfiança de ruralistas.
Nas discussões das votações do novo arcabouço fiscal, das novas regras do Carf (o “tribunal administrativo da Receita Federal) e da Reforma Tributária na Câmara, reivindicações da bancada ruralista foram incorporadas, o que elevou o cacife de Haddad com o setor.
Outra medida veio com o lançamento na quinta-feira (14) do Programa Combustível do Futuro, que atende a lobby do setor sucroalcooleiro e de biocombustíveis ao, entre outros pontos, elevar a mistura de etanol à gasolina.
Para o líder sem-terra João Pedro Stédile, que depôs no mês passado à CPI do MST, o agronegócio está dividido e a sua parte “burra” está fadada a desaparecer.
“Metade do agronegócio que tem juízo, que estuda, apoiou Lula e é a parcela representada pelo Fávaro. A outra parcela do agronegócio, que insiste em só ganhar dinheiro, é a Aprosoja, que não tem responsabilidade com o meio ambiente.”
Stédile se referia à associação comandada por Antonio Galvan (Aprosoja), bolsonarista fervoroso que participou ativamente de atos em que o ex-presidente ameaçou rupturas democráticas e atacou o sistema eleitoral, em 2021 e 2022.
RANIER BRAGON / Folhapress