SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O saguão principal da Assembleia Legislativa da Bahia abrigou na última semana de agosto uma exposição e venda de cópias não autorizadas de telas de Carybé, artista argentino que se radicou na Bahia no final dos anos 1940, cuja obra se tornou um dos símbolos da baianidade.
A exposição foi uma iniciativa da Escola do Legislativo da Assembleia, que firmou uma parceria com o publicitário e curador Luciano Ribeiro para expor o que chamaram de releituras de 14 obras de Carybé. O objetivo seria homenagear o artista na data que marcou os 26 anos de sua morte.
As cópias, parte delas idênticas às telas originais, foram feitas pelo artista plástico Daniel Sipa e vendidas no saguão principal da assembleia por preços entre R$ 1.200 e R$ 1.500. Dentre elas, estavam reproduções de obras como “Amazonas”, “Capoeira” e “Os Músicos”.
Em nota, a Assembleia Legislativa da Bahia, informou que “não tem nenhuma responsabilidade sobre o conteúdo das obras expostas e igualmente não aufere lucro nem cobra valores dos expositores”.
A iniciativa causou surpresa e indignação na família do artista plástico, que diz não ter sido consultada sobre a exposição nem autorizado a confecção das cópias das telas. Carybé morreu em 1997 e, pela legislação em vigor no Brasil, suas obras só entram em domínio púbico em 2067.
Especialistas afirmam que casos de releituras de obras de arte demandam autorização expressa do autor ou de seus familiares, salvo em casos de obras em domínio público.
“Nunca vi um caso tão grotesco quanto esse. Fazer uma tergiversação de uma obra às custas de dizer que é releitura é desnaturar a obra e utilizar sem autorização dos titulares. Surpreende que o Legislativo da Bahia se preste a um papel desses”, afirma o advogado Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Direito Autoral, a ABDA.
Nesta terça-feira (12), o Instituto Carybé notificou extrajudicialmente a Assembleia Legislativa da Bahia, pediu explicações formais sobre a exposição e alegou que a mostra com cópias dos quadros representou grave infração ao direito autoral.
“É muito pitoresco uma exposição que infringe as leis acontecer numa Casa de leis, com a chancela do poder público. É uma completa inversão de valores”, afirma Rodrigo Moraes, advogado que representa a família de Carybé e professor de direito autoral da Universidade Federal da Bahia.
A venda das cópias das telas na Assembleia Legislativa, afirma, torna o caso ainda mais emblemático, já que os responsáveis pela exposição tiveram ganho financeiro. “Aquilo não é uma homenagem, é um aproveitamento parasitário das obras de Carybé, é um desrespeito com a memória dele.”
Na avaliação de Moraes, os quadros expostos não representam uma releitura das obras, mas uma reprodução das telas, com traços semelhantes aos quadros originais podem causar confusão em potenciais compradores leigos em artes plásticas.
A defesa da família de Carybé deve ainda notificar extrajudicialmente o marchand e o artista plástico responsáveis pela exposição na Assembleia. O objetivo é evitar um possível litígio na Justiça, que poderia resultar em sanções aos envolvidos na esfera civil e penal.
A casa destacou ainda, em nota, que estas alegações constarão na resposta que a Procuradoria Jurídica do Legislativo oferecerá ao responder à notificação extrajudicial.
A Assembleia disse ter “apreço imensurável” a Carybé, que já abrigou uma exposição com suas obras e que um mural do artista adorna a fachada principal do edifício-sede do Legislativo. Também informou que sua editora publicou um livro com o perfil biográfico do artista e outro livro em parceria com o Instituto Carybé.
Procurado pela reportagem, o publicitário Luciano Ribeiro se disse surpreso e indignado com a notificação extrajudicial, se classificou como “fã número um de Carybé” e disse estar tranquilo. Ele disse que os quadros são parecidos, mas não idênticos.
“Não foi nada visando lucro. Eu não fiz para vender, mas para fazer uma homenagem”, diz Ribeiro, que afirmou ter vendido apenas uma dos 14 telas expostas. Ele ainda alega que avisou à família do artista sobre a exposição, mas não obteve resposta.
Em reportagem publicada no Diário Oficial da Assembleia Legislativa, Ribeiro disse que tem relação de permuta com os artistas, divulga os trabalhos deles em sua revista sobre artes plásticas e ganha quadros como contrapartida. As exposições, disse, são para recuperar o investimento.
Na mesma reportagem, disse que o artista Daniel Sipa é autodidata, trabalha para galerias e realiza trabalhos sob encomenda em diversos os estilos e técnicas. “Ele não se interessa pela fama, ele gosta é do dinheiro mesmo”, afirmou.
QUEM FOI CARYBÉ?
Carybé nasceu em 1911, na Argentina, com o nome Hector Júlio Páride Bernabó. Em agosto de 1938, o artista desembarcou pela primeira vez em Salvador, cidade que adotaria como morada a partir de 1949. No final dos anos 1950, se naturalizou brasileiro.
Nas décadas seguintes, o artista produziria vasta obra que inclui pinturas, desenhos, esculturas e murais que se tornaram um dos símbolos da baianidade por retratar manifestações culturais locais como candomblé, capoeira e as baianas.
Nos anos em que viveu na Bahia, desenvolveu profunda relação com a cultura e os artistas do Estado. Ilustrou livros do escritor Jorge Amado, de quem era amigo próximo, e escreveu contos. Também era adepto do candomblé e foi ogã do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Morreu em 1997, em Salvador, aos 86 anos.
A obra do artista é gerida pelo Instituto Carybé, com sede do bairro do Engenho Velho de Brotas. Em 2016, Salvador ganhou um museu dedicado ao artista no Forte de São Diogo, na Barra.
JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress