SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após derrotas na Assembleia Legislativa e dificuldades no relacionamento com os deputados estaduais, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem se dedicado nas últimas semanas a abrir um canal com boa parte dos prefeitos em São Paulo.
Desde o último dia 4, a agenda do governador já registrou 13 reuniões com grupos de prefeitos. O principal tema é a privatização da Sabesp -Tarcísio quer se encontrar com os prefeitos das 375 cidades atendidas pela empresa.
Enquanto acumula transtornos para aprovar projetos simples no Legislativo estadual, Tarcísio busca o apoio dos gestores municipais para conseguir realizar sua principal bandeira, a privatização da estatal de saneamento -que deve enfrentar oposição na Assembleia.
Prefeitos relataram à reportagem que vinham sendo ignorados pelo governo, mas que a postura mudou e receberam atenção especial quando o tema foi a Sabesp. Os chefes dos Executivos municipais aproveitam para falar de outras pendências e tentar garantir recursos.
Nas reuniões, Tarcísio tem apresentado dados sobre a empresa e o plano de privatização para sustentar que investimentos já previstos serão cumpridos e outros serão adiantados. Há críticas de que o discurso peca pela genericidade e às vezes ignora realidades locais das cidades.
De forma lateral, o governador também tem tratado de convênios e obras das respectivas regiões, argumentando que a privatização fará bem ao caixa do estado. Tarcísio tem aproveitado os encontros para dar um panorama da gestão numa espécie de prestação de contas.
Com a queda de arrecadação do ICMS, os prefeitos têm se juntado aos deputados na cobrança por emendas e convênios.
Quem acompanha os movimentos do governador afirma que, por meio da ponte com os prefeitos, Tarcísio busca influenciar deputados e atrair a opinião pública para sua agenda, especialmente a da privatização. Seria, de acordo com parlamentares, uma forma de amenizar o clima político, que não tem sido favorável.
Aliados dizem acreditar que a privatização da Sabesp pode ser enviada ainda neste ano para Assembleia, enquanto opositores preveem a votação só no ano que vem -quando as eleições municipais podem contaminar o debate.
Entre os deputados de esquerda, que são contrários à privatização, a aposta de Tarcísio nos prefeitos é vista como um tiro no pé. Eles acreditam que os gestores municipais não vão se comprometer com um tema impopular, sobretudo diante do temor de aumento da tarifa, algo que o governo afirma que não vai acontecer.
Para que a privatização aconteça, o governo quer que todos os municípios atendidos pela Sabesp estendam, em bloco, seus contratos com a empresa até 2060. O esforço é para conseguir evitar descontentes e, com isso, buscar fugir de eventual judicialização do processo.
Maior receita da companhia, São Paulo, já sinalizou que deve aderir ao bloco, em um contexto que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) precisa do apoio de Tarcísio em 2024.
Ao mesmo tempo, o governador tem trabalhado para destravar a relação com os deputados. Sem uma base de apoio sólida, Tarcísio ainda não enviou para a Casa os principais projetos do segundo semestre, uma reforma administrativa e uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que permite diminuir o gasto com educação para investir em saúde. A PEC precisa do aval de 57 dos 94 deputados.
Em uma reunião com deputados aliados no último dia 4, no Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio prometeu atender a demandas de deputados e prefeitos e indicou ter iniciado o pagamento de emendas e a nomeação de aliados em cargos de confiança.
De acordo com parlamentares, o governador chegou a fazer um mea-culpa, admitiu erros e assumiu estar em dívida com seus apoiadores na Assembleia. Ele argumentou que chegou ao palácio há pouco tempo e que está tentando acertar.
Depois do encontro, Tarcísio conseguiu que seu nome favorito para uma vaga no TCE (Tribunal de Contas do Estado), Marco Aurélio Bertaiolli, fosse indicado pela Casa e que o projeto que aumenta taxas judiciais fosse aprovado com 51 votos -após amargar falta de quórum numa sessão anterior.
Antes do envio da PEC, outros projetos do governador ainda não foram aprovados no plenário -a anistia para as multas relativas à Covid-19, que beneficia o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e a adesão de São Paulo ao Cosud (Consórcio de Integração Sul e Sudeste).
Numa sinalização considerada importante por aliados, o governo se comprometeu a pagar neste ano R$ 11 milhões em convênios e obras indicados por cada parlamentar da base -além dos R$ 10,5 milhões em emendas impositivas, algo que todos os deputados têm direito. O palácio também prepara um mapa de cargos para poder negociar com as bancadas na Assembleia.
Enquanto as críticas de parlamentares alinhados a Tarcísio são feitas nos bastidores, a oposição tem usado a tribuna para expor a relação trincada. Nesta quarta (13), o deputado Reis (PT) afirmou que o governo enrola a Casa.
“O governo não pode ser um enrolador geral. Nós não podemos ter um governo que enrole os deputados. […] Cada dia é uma historinha, uma conversinha. […] O governo não pode ser o Tarcísio ‘Rolando Lero’, ele não pode ser um cara que promete e não cumpre. […] Então, governador, pare de nos enrolar, cumpra sua palavra”, discursou.
Na semana passada, Beth Sahão (PT) apontou que a Assembleia fica submetida à vontade do governador e relatou ter recebido o telefonema de “um prefeito de uma cidade importante” pedindo para que ela votasse a favor do aumento das taxas judiciais, como defendia o governo -o PT foi contra.
“Quando o governo do estado quer o voto, ele chama no palácio a sua base e decide lá qual o voto que as pessoas vão ter que dar aqui. É constrangedor, porque tira autonomia de cada deputado e cada deputada, que não consegue votar com sua consciência”, afirmou.
ARTUR RODRIGUES – CAROLINA LINHARES / Folhapress