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Em Taiwan, especialistas dos EUA veem crescer sombra de guerra com a China

TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – Em partes de Taipé, capital taiwanesa, de seis meses para cá percebe-se a presença crescente de militares americanos, nos restaurantes e cafés. Eles acompanham as novas levas de armamentos, como mísseis Patriot.

Na última semana, foram cientistas políticos e outros acadêmicos americanos que tomaram a cidade, para um encontro. A organização foi de um grupo que promove comércio e relações da ilha com o Sudeste Asiático, a Southeast-Asia Impact Alliance, com patrocínio da gigante de semicondutores TSMC.

Ao longo de quase dez horas, entre palestras e debates, contou com a participação de Graham Allison, Joseph Nye e Stephen Walt, ligados a Harvard, Charles Lipson e John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, além de Kishore Mahbubani, da Universidade Nacional de Singapura, entre outros.

A mensagem geral foi de alerta para o risco de um confronto militar direto entre Estados Unidos e China por Taiwan. “Nós estamos caminhando como sonâmbulos para o desastre”, afirmou Nye, 86, célebre por ter desenvolvido a escola neoliberal na política externa americana e depois o conceito de “soft power”.

Comparou o quadro atual em torno da ilha com aquele que precedeu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando um estopim acabou envolvendo as potências europeias da época, que não queriam o conflito.

Allison, 83, veio em seguida, afirmando com ironia seca que “as coisas ficarão piores antes de ficarem piores”, pedindo “cuidado e cautela” especificamente quanto à eventual declaração de independência pelo candidato que lidera as pesquisas para as eleições de janeiro, o atual vice-presidente Lai Ching-te.

“Uma guerra será devastadora para Taiwan”, advertiu, comparando-a com Melos, ilha massacrada por Atenas na guerra com Esparta. Allison é mais conhecido hoje por lançar o conceito de “armadilha de Tucídides”, que coincidiu com o início da guerra comercial de Donald Trump com Pequim —e afirma que, quando uma potência ameaça substituir outra, o resultado é quase sempre guerra.

Os alertas sobre Lai foram generalizados, a partir daí. A começar de Mearsheimer, 75, a estrela do evento, expoente da escola realista nas relações internacionais americanas e mais lembrado agora por avaliar que foram os EUA que levaram a Rússia a invadir a Ucrânia e por prever que Kiev será derrotada.

Ele voltou a questionar a equipe diplomática de Joe Biden e a defender que Washington esqueça a guerra na Europa e transfira toda a sua atenção para a China.

Avaliou que Pequim não tentará tomar Taiwan, listando como elementos de “dissuasão” que o atual Exército de Libertação Popular não tem experiência de guerra; que envolveria uma arriscada operação anfíbia; que os protagonistas seriam, pela primeira vez em confronto direto, duas grandes potências e, além disso, nucleares; e que a vitória não é certa.

Mas uma declaração de independência, prosseguiu, levaria a China a não se importar com nenhum desses obstáculos, o que por consequência traria os EUA para o conflito. “Os Estados Unidos vão defender Taiwan”, disse Mearsheimer, como seu principal alerta para o debate, remetendo à destruição da Ucrânia.

Walt, 68, concordou com o quadro traçado e acrescentou que Lai ou outro presidente eleito, caso queira buscar independência, enfrentará resistência de Washington.

Lipson, 75, detalhou em seguida como o realinhamento partidário histórico nos EUA levou à aproximação de democratas e republicanos em política externa, em relação à China. Por outro lado, mostrou como a crescente dívida pública americana e os juros elevados “limitam os gastos militares”.

Mahbubani, 74, apesar de ser um dos organizadores do encontro, com vínculo pessoal com os demais, procurou confrontá-los com a visão de que os países do Sul Global, citando o Brasil, já mostram peso nos conflitos internacionais. Ex-embaixador de Singapura na ONU, lembrou que a cidade-Estado ocupa a presidência da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático).

“Oitenta e cinco por cento da população mundial não impuseram sanções à Rússia, o que é muito inusitado porque, tradicionalmente, quando o Ocidente liderava, levava consigo pelo menos metade do Terceiro Mundo”, argumentou. “Agora não levou quase ninguém.”

Mas esse aspecto acabou sendo pouco abordado ao longo das mesas e falas. Nye questionou o próprio termo Sul Global, dizendo preferir países em desenvolvimento, e argumentou haver “profundas rivalidades entre eles”.

Encerrada a programação formal, a Folha questionou alguns dos participantes sobre o papel a ser cumprido pelo resto do mundo e especificamente pelo G20 presidido por Lula, diante da disputa de grandes potências entre EUA e China. Mearsheimer riu e disse apenas: “Ficar sentado no muro”, fence-sitter.

Walt respondeu ver agora o mundo dividido em três grupos, a curto e médio prazo, de países associados aos EUA ou associados à China e, “para muitos outros, ficar oscilando entre os dois, num grupo neutro”.

É o que antevê para Lula. “Acho que o Brasil fará isso, tentar equilibrar os dois, conseguir acordos melhores de um ou de outro, ameaçando se alinhar. Certamente a Arábia Saudita está agora se movendo nessa direção. Alguns países do Sul Global serão capazes de desempenhar esse papel de forma bastante eficaz.”

Mahbubani discordou: “O papel do Sul Global vai aumentar significativamente. Aconteceu uma mudança estrutural. A novidade é o nível de autoconfiança do Sul Global. Estão muito mais assertivos, falantes, dispostos a erguer a voz e dizer: ‘estes são os nossos interesses'”. Lipson contrapôs: “Estrategicamente, existem de fato só dois lados, não três”.

Outra questão pouco tratada na programação oficial, o papel central de Taiwan na produção global de semicondutores, foi levantada por Mearsheimer, que comentou:

“Há uma competição em torno de tecnologias de ponta, coisas como IA e semicondutores. Os EUA serão capazes de causar danos suficientes à China no que diz respeito a essas tecnologias, para que possamos aumentar a vantagem, com implicações positivas para o equilíbrio de poder? Minha resposta é: não sei.”

Declarou ter questionado vários economistas sobre isso. “Alguns dizem que nós vamos fracassar, que os chineses vão se levantar toda vez. Outros acreditam que podemos causar danos significativos à China. Não sei onde está a resposta.”

NELSON DE SÁ / Folhapress

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