MORUNGABA, SP (FOLHAPRESS) – A Sabesp está prestes a concluir um projeto-piloto que vai servir de referência para a virada tecnológica que pretende fazer em toda sua operação. Até 2030, a companhia quer automatizar todo o ciclo de saneamento nos 375 municípios onde atua, e o modelo a ser seguido vem de Morungaba, que fica a 100 quilômetros da capital paulista.
Em 2021, a cidade de pouco mais de 13 mil habitantes começou a implementar um sistema que une inteligência artificial e internet das coisas (termo que se refere a objetos que são conectados e capazes de trocar informações). Com isso, processos que antes eram manuais passaram a ser automatizados e, hoje, quase toda a operação já é feita remotamente.
“Em 2024, Morungaba será o primeiro município que a Sabesp vai chegar a 100% de automação”, diz Roberval Tavares de Souza, diretor de operações da companhia.
O ciclo de saneamento básico costuma contemplar as seguintes etapas: primeiro, a água é captada de um rio e levada a uma ETA (Estação de Tratamento de Água), que faz o processo de filtragem e adequação aos parâmetros exigidos para consumo humano.
Em seguida, a água é bombeada até os reservatórios. De lá, saem os sistemas de distribuição, que atendem as casas, comércios e imóveis da cidade. Após o consumo, a água vira esgoto e, através do sistema de coleta, é encaminhado a uma ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) para ser devolvido ao meio-ambiente.
Hoje em dia, boa parte das etapas desse ciclo é feita de forma manual. Quando ocorre um vazamento numa linha da Sabesp, por exemplo, é preciso fechar o registro para interromper o problema e fazer o conserto semelhante ao que acontece em uma casa.
Para isso, um profissional precisa ir até o local com uma ferramenta específica. Mas em Morungaba não. “Estamos transformando a chave de manobra num botão que eu aperto e a válvula fecha”, explica Souza.
Outro exemplo de automação está nas ETAs. Nessas estações de tratamento são analisados diversos parâmetros que interferem na qualidade da água, como cloro, turbidez, PH e flúor.
No processo convencional, a Sabesp precisa manter funcionários trabalhando numa escala de 24 horas para controlar esses indicadores. “Vai [alguém] com um baldinho, coleta a água, leva para o laboratório e faz a análise química. Todos os dias, de hora em hora.”
No sistema automatizado é diferente. Em um dia de muita chuva, por exemplo, o parâmetro de turbidez que indica a quantidade de partículas na água piora. Os sensores instalados nos equipamentos da estação de tratamento detectam essa mudança e mandam uma ação para a bomba dosadora aumentar o produto que acelera a coagulação e faz essas partículas decantarem.
No jargão técnico, a operação tecnológica também chamada de saneamento 4.0 funciona com auxílio de dispositivos de IoT (internet das coisas, em inglês), que fornecem informações sobre as etapas do processo através de sensores. Já a inteligência artificial ajuda na tomada de decisões.
Isso porque os dados coletados são comparados com parâmetros pré-estabelecidos ou com as informações de histórico. Um consumo alto durante a madrugada, por exemplo, foge do padrão e pode indicar um vazamento. Nos casos em que algo sai do normal, o sistema emite alertas.
“Com a automação, a velocidade de decisão é mil vezes mais rápida. Eu consigo mais eficiência operacional e menores custos para a empresa, o que reflete no cliente. Como nossa tarifa é módica, o que eu consigo ganhar de eficiência é transferido aos clientes”, diz Souza.
A automação ainda permite identificar vazamentos internos, na casa do consumidor. Uma das etapas do projeto envolve trocar todos os hidrômetros da cidade por equipamentos capazes de transmitir os dados para o centro de operação.
Dessa forma, o consumo passa a ser verificado em tempo real, evitando fraudes e alertando para eventuais problemas.
Souza diz que, hoje, um vazamento só é descoberto 30 dias depois, quando a Sabesp passa no imóvel no dia da leitura e entrega uma conta com valor mais alto que o normal.
“Todo o sistema de Morungaba conduz para uma redução de custo na operação muito forte. Além da menor quantidade de operadores necessária, a companhia economiza com a diminuição dos níveis de perdas na rede”, afirma. “Eu descubro um vazamento [de forma] online, na hora em que ele tá acontecendo”, acrescenta.
De acordo com o diretor, há cerca de dez anos, a Sabesp começou a investir em automação, com o plano de chegar a 100% dos municípios onde opera até 2030.
“Estamos falando de 12 milhões de hidrômetros, 70 mil quilômetros de rede de água e 60 mil quilômetros de rede de esgoto”, afirma.
Segundo Souza, não existe benchmarking para esse projeto, que nasceu dentro da área técnica da Sabesp. “Fora do Brasil, você pode encontrar alguma coisa nos Estados Unidos, França e Alemanha, mas eu não conheço [um sistema] de ponta a ponta como este.”
Morungaba foi escolhida para sediar o projeto-piloto por já ter toda a população atendida com fornecimento de água e coleta de esgoto. Até o momento, já foram investidos R$ 4,8 milhões na iniciativa. Outros R$ 2,7 milhões serão direcionados até a conclusão em 2024.
Souza explica que um dos benefícios dessa virada tecnológica é o ganho de eficiência, o que ajuda na disputa por mercado.
“Com o marco legal de saneamento, a gente precisa disputar as licitações. Antes, a Sabesp era contratada de forma direta. Para conseguir ganhar outros municípios, é preciso ser mais eficiente, porque agora o ambiente é de disputa.”
*
RAIO-X DA SABESP
Fundação: 1973
Lucro líquido 2022: R$ 3,12 bilhões
Valor de mercado em 2022: R$ 32,9 bilhões
Funcionários: 12.299
Municípios atendidos: 375
População atendida: 28,4 milhões
Concorrentes: Aegea, Iguá, BRK, GS Inima, Águas do Brasil
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress