BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Pesquisa da ONG Ekō, que monitora o comportamento de corporações empresariais nas áreas de direitos humanos e meio ambiente, identificou que grandes mineradoras têm interesse em 77 das 120 terras indígenas pleiteadas, mas ainda não homologadas pelo governo brasileiro, incluindo locais ocupados por povos isolados. A lei brasileira veta a mineração em terra indígena.
O levantamento identificou que elas são alvo de 581 requerimentos de exploração ativos na ANM (Agência Nacional de Mineração). Há pontos em 18 estados, mas 59% do total de processos estão na chamada Amazônia Legal, que abarca Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e uma parte do Maranhão.
A região amazônica já é produtora de minérios como ferro, cobre, alumínio, ouro e estanho. Segundo o MME (Ministério de Minas e Energia), um terço da Amazônia Legal tem potencial para exploração de minérios metálicos.
Entre os requerentes localizados pela Ekō estão gigantes globais que anunciaram a intenção de não minerar em terra indígena, como Anglo American, do Reino Unido, que tem 39 processos ativos, e a Vale, com 4. A lista também inclui grupos menores, como Bemisa, com 6 processos.
Procuradas pela reportagem, as maiores empresas citadas no estudo afirmaram que já desistiram dos processos localizados pela Ekō e atribuem a permanência na base de dados a uma demora da ANM em fazer a baixa. A Bunge, por exemplo, disse que, embora os pedidos estejam em seu nome, dizem respeito a operações que vendeu à Vale em 2010. A companhia não tem mineração no Brasil desde então.
A exploração em terra indígena também é rechaçada pela entidade que representa boa parte das mineradoras, o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que reforçou as dificuldades com a ANM.
“Eu estive com a ministra Marina Silva [Meio Ambiente] em fevereiro e afirmei que mineração em terra indígena não está na nossa pauta, que somos contra e não tratamos do tema enquanto não existir por parte do Congresso uma tomada de decisão”, afirmou Raul Jungmann, presidente do Ibram.
“Nós também nos posicionamos contra o projeto que abre brechas para a exploração em terra indígena e não segue adequadamente a consulta dessas populações, como previsto na resolução 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho].”
Jungmann conta que pediu à agência um levantamento com mineradoras que solicitaram exploração em terras indígenas. “A ANM nunca respondeu, e nós sabemos por quê: falta de estrutura e de organização, sistemas totalmente atrasados.”
Ele afirma que, então, enviou circular às associadas requerendo a mesma informação. “Recebi inúmeras respostas, com empresas dizendo que tinham tido processos em áreas solicitadas, mas desistiram ou que nunca tiveram pedidos em terras indígenas.”
As limitações da ANM são públicas. Ela sofre com falta de recursos e são constantes as manifestações de funcionários reivindicando mais pessoal.
À reportagem, a ANM disse que homologa a desistência de requerimentos incidentes em terras indígenas após constatar a legitimidade dessa desistência. “Não é possível estabelecer um prazo médio entre o protocolo da petição (comunicação/solicitação da desistência) e a homologação realizada pela agência”, destacou, em nota.
A equipe da Ekō afirma que os pedidos ativos acabam funcionando como uma fila de espera para uma futura mineração, que poderia ser destravada, por exemplo, com alterações nas leis.
Uma delas é o marco temporal. Segundo essa tese, os indígenas só teriam direito a ocupar regiões onde estavam ou que já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. O PL (projeto de lei) 2.903/2023, com a medida, passou na Câmara e está no Senado.
O marco temporal também vem sendo julgado no STF (Supremo Tribunal Federal). O placar na Corte é de 4 votos contra e 2 a favor. O julgamento deve ser retomado nesta quarta (20).
Ao mesmo tempo, também está no Congresso o PL 191/2020, que permite mineração, exploração de óleo e gás e geração de energia elétrica nas terras indígenas sem a garantia de que os habitantes teriam poder de decisão. Em maio, a tramitação foi suspensa a pedido do Ministério da Justiça, mas ambientalistas temem que possa ser desengavetada.
“Como os processos de mineração na ANM estão no sistema como ativos, infelizmente, podem ser utilizados a qualquer momento, caso ocorra uma mudança de gestão da empresa, no interesse por algum minério ou mesmo em caso de alteração legal. Se o marco temporal for aprovado, por exemplo, as empresas podem facilmente explorar essas áreas, mesmo que tenham anunciado a desistência”, afirma Flora Arduini, diretora de campanhas da Ekō.
Os ambientalistas reforçam ainda que, se o setor mudou, precisa ser mais ativo no flanco regulatório.
“Se essas empresas querem mesmo se dissociar da exploração em terra indígena, precisam cobrar que a agência retire os pedidos”, afirma Vanessa Lemos, coordenadora de campanhas da Ekō.
Entre as áreas que concentram pedidos está a região habitada pelo povo munduruku na bacia do Tapajós, no Pará. O local integra a Província Mineral do Tapajós, área com 100 mil km2 apontada como um dos maiores distritos auríferos do mundo.
Os mundurukus reivindicam a criação da Terra Indígena Sawre Bapim, que concentra 81 pedidos ativos, sendo 13 da Anglo American e 1 da Vale.
Outra área dos mundurukus muito procurada e ainda não homologada é a Sawré Muybu, que tem 21 processos ativos da Anglo American.
A empresa aparecia com 27 requerimentos em outro levantamento, de 2020. Isso levou a protestos contra a mineradora e a um posicionamento público de que não entraria em terras indígenas. As manifestações atingiram inclusive seus investidores, como o fundo global BlackRock.
Como a Sawré Muybu tem sido fortemente afetada pelo garimpo ilegal, existia a expectativa de que o governo Lula priorizaria a sua homologação. O relatório destaca que, em entrevista aos pesquisadores, em abril, a liderança indígena Maria Leusa Munduruku contou que havia sido informada pela Funai que a demarcação aguardava apenas o sinal verde da Casa Civil.
Outra área cobiçada é a do povo mura. A Potássio do Brasil, que aparece no levantamento com 16 processos ativos, tem o Projeto Autazes, no Amazonas, numa região onde há pleitos dos indígenas. A empresa disse à reportagem que mantém 4 desses processos, mas afirmou que a área em que pretende se instalar não está nessa lista e foi reivindicada após anúncio do empreendimento.
Há uma intensa discussão socioambiental sobre o potássio em Autazes, e moradores que defendem a mineração já chegaram a ameaçar indígenas. O projeto era prioritário no governo passado e segue assim na gestão Lula.
Em nota, o MME detalhou que são considerados vitais o investimento de R$ 13 bilhões, a geração de milhares de empregos e a redução da dependência do agronegócio brasileiro da importação de fertilizantes (de 96% para 76%).
“O Projeto Autazes é um considerado estratégico para o governo federal sob o ponto de vista social e econômico”, destacou a pasta.
Procurada pela Folha, a empresa Santa Elina não retornou até a publicação deste texto. A reportagem não conseguiu localizar as empresas Falcon Metais, Sudamerica, Mineração Apoena, Los Andes Mineração e Mineração Silvana.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress