BRASÍLIA, DF, E CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli anulou nesta terça-feira (19) a decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª região) que havia declarado a suspeição do juiz Eduardo Appio em processos relacionados à Lava Jato que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Toffoli disse que a decisão da oitava turma do TRF-4 foi “ilegalmente exarada”.
O advogado de Appio, Pedro Serrano, afirmou que a decisão do ministro é “uma vitória da Constituição”, que “recoloca o trem da legalidade nos trilhos”, e diz entender que o juiz deve voltar à vara da Lava Jato.
“Nós entendemos que ele tem que retornar ao cargo porque foi suspenso o processo administrativo. Não há nenhum sentido jurídico manter uma pessoa afastada que não esteja sendo processada. É como manter alguém preso sem processo penal, sem acusação. Se assim não entenderem o TRF4, nós vamos recorrer”, afirmou.
Procurados, o TRF4 e a Justiça Federal do Paraná ainda não se manifestaram.
Appio assumiu a titularidade da 13ª Vara Federal de Curitiba em fevereiro e passou a ser abertamente crítico aos métodos adotados pela Lava Jato em anos anteriores.
Desde então, também expediu decisões críticas à operação cujos protagonistas foram Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa, e Sergio Moro, ex-juiz responsável.
Em sua decisão, Toffoli ainda suspendeu o andamento do processo administrativo disciplinar aberto contra Appio, em trâmite na corregedoria-geral do TRF-4. A medida, segundo Toffoli, não tem prejuízo de eventual análise do caso pela corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O ministro do STF afirmou em sua decisão que o caso foi relatado pelo tribunal regional “amparado basicamente em assunções (ou deduções)”.
“Verifica-se que, no julgamento de suspeição do juiz Eduardo Fernando Appio, foram considerados certos fatos e condutas que, para além de não se incluírem no rol do artigo 254 , do CPP (texto do Código de Processo Penal que trata da suspeição), antes não cogitados para o reconhecimento de suspeição de outros juízes e desembargadores do TRF-4 que atuaram na operação Lava Jato”, disse.
Toffoli ainda afirmou “não terem sido poucas as exceções de suspeição das defesas de acusados que pesaram sobre o então juiz Sergio Moro e a juíza substituta da 13ª Vara Federal Criminal (Gabriela Hardt)” e que, no entanto, “todas foram rechaçadas pelo TRF-4, em posicionamento jurídico diametralmente oposto ao que se observa na presente hipótese”.
Appio, responsável pelos processos remanescentes da Lava Jato no Paraná, já havia sido afastado das funções pelo TRF-4 em maio deste ano. Ele foi substituído inicialmente por Gabriela Hardt, que mostrou maior alinhamento com a forma de condução do ex-juiz Sergio Moro.
Na ocasião, o tribunal regional apurava se Appio tinha telefonado para o filho de um ex-relator da Lava Jato no TRF-4 fingindo ser um funcionário da Justiça Federal.
Após ter suas decisões revistas, Appio havia tido atrito em abril com o ex-relator Marcelo Malucelli, do TRF, que passou a ser questionado na época sobre seu elo com Moro.
O filho de Malucelli, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio do senador e da deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP) no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia.
Em sua decisão, o ministro do STF criticou a parcialidade do desembargador Loraci Flores de Lima, designado como relator da Lava Jato na 8ª Turma do TRF, em substituição a Marcelo Malucelli, que teve sua atuação criticada por seu elo com Moro.
Toffoli disse que a decisão referida sob o pretexto de resolver incidentes processuais relacionados à Operação Lava Jato revela sua resistência em dar efetivo cumprimento às sucessivas decisões do STF, “utilizando-se a corte regional de diversos expedientes, jurisdicionais e administrativos, no intuito de fazer valer as suas decisões”.
“De fato, considerando os fatos alegados como comprovados e suficientes à conclusão de parcialidade, o relator expandiu os efeitos da decisão para todos os processos envolvendo a operação Lava Jato decididos pelo juiz Eduardo Appio”, disse.
O ministro afirma que, em relação a todas as pessoas envolvidas em tais processos, “houve supressão total de ampla e prévia defesa, contraditório, paridade de armas”. “As partes foram impossibilitadas de intervir em decisão, insista-se, sem oitiva prévia, qualificada, com possibilidade de influenciar na decisão que atingiria suas esferas jurídicas”, disse.
“Esse panorama revela o ambiente em que estão imersos os casos da operação Lava Jato e comunica-se, de igual modo, com o afastamento cautelar do magistrado Eduardo Fernando Appio”, completou.
Na semana passada, a decisão do TRF-4 contra Appio foi tomada no mesmo dia em que Toffoli determinou que as provas obtidas na operação e que balizaram os acordos de leniência da Odebrecht são imprestáveis em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.
A oitava turma do TRF-4 decidiu por unanimidade julgar procedente a suspeição de Appio em todos os processos relacionados à Lava Jato que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba. Além disso, os magistrados declararam a nulidade de todos os atos praticados por ele nesses casos.
Segundo a corte, o Ministério Público Federal “apresentou elementos concretos e objetivos que revelam a parcialidade do magistrado para processar e julgar os processos” relacionados à Lava Jato.
Appio tem mais de 20 anos de trajetória na Justiça Federal, além de ter sido promotor de Justiça. Ele foi escolhido para assumir a Vara Federal por critério de antiguidade entre magistrados que se inscreveram.
No início de maio, Appio havia anulado a sentença de 2017 contra o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral dada pelo então juiz Moro. A decisão foi revertida pelo juiz Carlos Eduardo Thompson Flores, da segunda instância do TRF-4. Segundo ele, Appio não respondeu a questionamentos sobre sua imparcialidade.
O magistrado havia concordado com o pedido da defesa de Cabral para considerar parcial a atuação de Moro no processo com base nas mensagens trocadas no aplicativo Telegram com o ex-procurador Deltan Dallagnol.
O TRF-4 também derrubou duas decisões de Appio que atendiam pedidos da defesa do ex-ministro Antonio Palocci. O juiz havia marcado uma audiência para que Palocci apontasse eventuais “excessos e erros” da Lava Jato e liberado R$ 35 milhões de uma conta ligada ao político.
CONSTANÇA REZENDE E CATARINA SCORTECCI / Folhapress