WASHINGTON, EUA E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu a Assembleia-Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (19) com um discurso de 21 minutos focado em desigualdade e com o retorno da demanda histórica do Itamaraty de uma reforma no Conselho de Segurança.
O petista voltou ao principal palco internacional após mais de dez anos e sob a promessa de recuperar a orientação internacionalista da diplomacia brasileira após quatro anos de isolamento, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Com um discurso repleto de referências indiretas ao adversário político, Lula foi bastante aplaudido ao estabelecer diferenças ante o antecessor.
Lula começou o discurso prestando condolências a vítimas do terremoto no Marrocos e das enchentes na Líbia e no Rio Grande do Sul para, em seguida, falar sobre a crise climática e a desigualdade, um dos temas centrais de sua fala.
“É preciso, antes de tudo, vencer a resignação que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo”, afirmou.
O presidente voltou a apontar que os países mais ricos se desenvolveram com base em um modelo poluente, mas que os países emergentes não querem repetir essa fórmula. “Agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. Os países ricos cresceram baseados em um modelo com alta taxa de emissão de gases danosos ao clima”, continuou.
Mencionando a matriz energética brasileira, “uma das mais limpas do mundo”, Lula disse que o país retomou ações de fiscalização e combate a crimes ambientais. “O mundo inteiro sempre falou da Amazônia, agora é a Amazônia que está falando por si mesma”, continuou.
Aplaudido ao repetir que “o Brasil está de volta”, o petista disse que estava ali porque a democracia venceu no país. “O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, nossa região, o mundo e o multilateralismo”, disse, em contraste com a política externa de Bolsonaro. O ex-presidente manteve durante dois anos um chanceler, Ernesto Araújo, que dizia orgulhar-se da condição de pária do país.
“A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas. A pandemia da Covid-19, a crise climática e a insegurança militar e energética ampliada por crescentes tensões geopolíticas”, afirmou.
“A guerra na Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaços para negociações. Investe-se muito em armamento e pouco em desenvolvimento”, afirmou.
Após apontar para o que chamou de paralisia do Conselho de Segurança, instância máxima da ONU, Lula defendeu a reforma da instituição. O presidente encerrou seu discurso cobrando que os países-membros se indignem com a desigualdade e trabalhem para superá-la.
Na bancada reservada ao Brasil estavam os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o assessor especial da Presidência Celso Amorim, e o embaixador do Brasil na ONU, Sé rgio Danese. A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, acompanhou a comitiva.
Um grupo de congressistas brasileiros assistiu ao discurso da galeria. Entre eles, os deputados Guilherme Boulos (PSOL), Zeca Dirceu (PT-PR) e Elmar Nascimento (União Brasil-BA), a deputada Duda Salabert (PDT-MG) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ministros como Esther Dweck (Gestão), Marina Silva (Ambiente) e Jader Filho (Cidades) estavam no piso da plenária.
Antes de Lula, o secretário-geral da ONU, António Guterres, com quem o presidente deve se encontrar na quarta (20), discursou. Ele afirmou que a situação mundial rumo ao multilateralismo pode ser positiva, mas que uma reforma do arcabouço institucional é vital para evitar “ruptura” a demanda por uma reforma do Conselho de Segurança, pauta do Itamaraty há décadas, foi retomada pelo atual governo.
O presidente chegou em Nova York na noite de sábado (16) e deve voltar ao Brasil na quinta (21). A longa estadia contrasta com a de Bolsonaro, que passou menos de 24 horas na cidade no ano passado.
O discurso do petista foi feito em um contexto de crescentes críticas à ONU e de competição com outros fóruns multilaterais, como o recém-ampliado Brics, grupo de países emergentes, e o G20, fórum das maiores economias do mundo.
Sintoma disso, lideranças do primeiro escalão de China, Rússia e Índia não participam do evento, o que colocou o brasileiro na posição de “porta-voz” do chamado Sul Global em um encontro esvaziado. Do lado das potências, os EUA são o único dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança que serão representados no encontro por seu chefe de governo.
Nesse cenário, os dois presidentes estarão nos holofotes durante a semana, assim como o líder ucraniano, Volodimir Zelenski com quem Lula se reúne na quarta-feira. A conversa com o ucraniano ocorre por volta das 17h (horário de Brasília), no hotel em que o brasileiro está hospedado.
A relação entre os dois é turbulenta. Em maio, houve uma tentativa de conversa durante o encontro do G7, mas que acabou frustrado. O lado brasileiro argumenta que ofereceu opções de horário a Zelenski, que não conseguiu comparecer a nenhuma. Os ucranianos atribuem a culpa a Brasília, que teria demorado a responder o pedido de reunião.
FERNANDA PERRIN E IGOR GIELOW / Folhapress