Livro reconstitui estupro coletivo na Paraíba para alertar sobre o crime no país

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Era Apenas um Presente para o Meu Irmão – A Barbárie de Queimadas” não é só um livro sobre o crime que chocou o país em 2012. É sobre a busca por manter viva a indignação com o estupro de cinco mulheres, duas delas também assassinadas, perpetrado por dez homens numa festa de aniversário em uma pequena cidade no interior da Paraíba.

“Uma premissa da minha literatura sempre foi mostrar como as violências podem afetar tanto um indivíduo como toda uma sociedade”, diz o autor, Bruno Ribeiro. “Alguns tipos de violência você até aprende a viver com elas, mas deixam marcas e cicatrizes que nunca sairão de você.”

Ribeiro se mudou com a família para Campina Grande (PB), cidade próxima a Queimadas, quando ainda era criança. “Meu pai me enviou o link da notícia e me lembro do horror que eu senti”, diz.

Tinha vontade trabalhar na história, mas a ideia inicial era fazer um roteiro de ficção para o cinema. Conforme foi avançando na apuração, ao observar a mobilização de algumas mulheres, especialmente das irmãs de uma das vítimas assassinadas, sentiu-se tocado e resolveu escrever um livro-reportagem.

“Sempre me pareceu muito absurda essa normalização dos crimes. O ‘apenas’ do título se refere justamente ao desdém com que tratavam o estupro. Os caras realmente acreditavam que iriam se safar.”

Começou a escrever sem saber se um dia chegaria a ser publicado. Ao tomar conhecimento de um concurso literário da editora Todavia, submeteu o trabalho, que em 2020 foi escolhido vencedor por unanimidade. Foi convidado pela editora a escrever mais sobre o caso.

“Um dia me ligaram, avisaram que eu ganharia o prêmio, mas disseram que a história poderia render mais. Topei escrever”, conta. Com isso, teve a chance de incluir os desdobramentos mais recentes da história, como a fuga da prisão do mentor do crime e o assassinato de outro deles.

Descrito como um “Dogville” do agreste, o livro é dividido em partes. Na primeira, faz uma ambientação da cidade, com características geográficas, de clima, população. Na segunda, reconstitui a noite do crime e reúne depoimentos, mantendo a linguagem original, o que dá um tom de documentário e transporta o leitor para o palco dos acontecimentos.

A terceira parte fala mais dos reflexos do crime na vida das famílias envolvidas, e a quarta descreve o ambiente político de Queimadas. Na quinta e na sexta, o próprio autor aparece na história. “Explorei várias formas, etapas e códigos da não ficção. O relato oral, a entrevista, o repórter policial”, diz.

Por se tratar de um episódio real em uma cidade pequena, especialmente no caso de um crime bárbaro, o revés é esbarrar na dor de tantas famílias envolvidas. Entre dez criminosos e cinco vítimas, todo mundo conhece alguém que sofreu com a história. Segundo ele, essa foi a parte mais difícil do trabalho.

Ainda assim, não pensou em desistir. Queria despertar a atenção das pessoas para uma violência que acontece em todo lugar. “Queimadas é só um recorte do Brasil. Talvez tenha ganhado visibilidade porque em cidades pequenas casos assim chamam mais atenção, mas estupros coletivos acontecem com frequência no Rio de Janeiro, em São Paulo, e ninguém fica sabendo”, diz Ribeiro.

O autor não queria que o crime fosse visto como uma coisa exótica de uma cidadezinha no sertão da Paraíba. Aconteceu lá, mas poderia ter sido em tantos outros lugares país afora.

Ribeiro é publicitário de formação, mas logo enveredou para a literatura. Lançou o primeiro de seus sete livros em 2014 e fez um mestrado em escrita criativa. Até então, suas principais referências eram em ficção, mas, depois de cursar uma cadeira de não ficção com a escritora argentina María Sonia Cristoff, teve certeza de que gostaria de seguir esse caminho.

Agora, com a obra em mãos, Ribeiro quer ver a justiça fazer a sua parte e os culpados pagarem pelos crimes que cometeram.

ERA APENAS UM PRESENTE PARA O MEU IRMÃO: A BARBÁRIE DE QUEIMADAS

Preço R$ 74,90 (264 págs.); R$ 49,90 (ebook)

Autoria Bruno Ribeiro

Editora Todavia

JULIANA NOGUEIRA / Folhapress

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