SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após 503 dias, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a cassação do mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante), acusado de racismo, por quebra de decoro parlamentar, nesta terça-feira (19).
Dos 55 vereadores, 47 foram favoráveis à punição, e ninguém votou pela absolvição. Foram registradas 5 abstenções e um ausente, Ely Teruel (Podemos). O próprio Cristófaro e Luana Alves (PSOL), que denunciou o vereador à Corregedoria e à polícia, não votaram.
O vereador precisava de pelo menos 19 votos, o equivalente a um terço da Casa, para salvar o mandato. Agora, ele ficará inelegível por oito anos, e o suplente Adriano Santos (PSB) assume o cargo.
Houve protestos do lado de fora da Câmara, com palavras de ordem contra atos racistas e roda de samba e de capoeira. No auditório, as galerias foram divididas entre apoiadores do vereador e aqueles que pediam sua cassação, com cartazes e faixas.
Em sua defesa, Cristófaro afirmou que os manifestantes que pediam sua saída receberam R$ 50 e uma cesta básica para pedirem a cassação, na qual classificou como “execução”, e disse que eles precisavam ter vergonha na cara.
“Essas pessoas não sabem o que estão falando. Eu tenho 150 obras nesta cidade, 90% das pessoas beneficiadas são negras. Heliópolis tem o quê? Brasilândia tem o quê? Peruche, tem o quê?”, falou o vereador, que é do Ipiranga (zona sul).
No momento mais quente, o vereador Adilson Amadeu (União Brasil) partiu em direção ao advogado de Cristófaro, Ronaldo Alves de Andrade. Ambos se encararam e bateram boca, e Amadeu passou mal. Ele foi socorrido pela equipe médica da Câmara.
Amadeu ficou irritado pelo fato de Andrade relembrar o dia em que Amadeu xingou um colega de “judeu filho da puta”.
A cassação é o último capítulo de um dos piores vexames do Legislativo paulistano, ao menos, na Câmara. Cristófaro já recorreu à Justiça para reaver o seu mandato, mas ainda não obteve decisão favorável.
ENTENDA O CASO
A cassação de um vereador por racismo é a primeira no país, segundo a Casa.
No dia 3 de maio de 2022, Cristófaro usou a expressão “é coisa de preto” para se referir à sujeira nas calçadas. A frase foi captada pelo sistema de som da Câmara durante uma sessão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Aplicativos.
Na ocasião, a vereadora Luana Alves (PSOL) repreendeu Cristófaro imediatamente e considerou o ato como “extremamente racista”. No princípio, o vereador disse que se referia à cor de um carro. Depois, ponderou que era uma brincadeira com um amigo.
Testemunhas de defesa de Cristóforo reiteraram à Corregedoria da Câmara que foi um gesto direcionado ao amigo Anderson Silva Medeiros.
Após longa tramitação, a maioria dos sete integrantes da Corregedoria acatou o relatório de Marlon Luz (MDB), relator do caso, em agosto deste ano.
“O vereador reforçou a percepção socialmente abominável de que as pessoas negras são necessariamente encarregadas de executar trabalhos manuais”, escreveu o relator em seu voto.
Cristófaro recorreu à Justiça, através de mandado de segurança com pedido de liminar, para tentar barrar a sessão desta terça.
A defesa do vereador alega que teve o direito à defesa cerceado na Corregedoria da Câmara. Também reitera que não existe crime de racismo imputado a ele e que a imagem política do parlamentar sofre irreparável prejuízo.
Em decisão tomada no começo da tarde desta terça, o desembargador do Tribunal de Justiça Souza Meirelles não concedeu a liminar para suspender a sessão.
Cristófaro chegou a ser absolvido da acusação de racismo na Justiça. Em decisão publicada no dia 13 de julho, o o juiz Fábio Aguiar Munhoz entendeu que a fala do vereador foi retirada de um contexto de “brincadeira, de pilhéria, mas nunca de um contexto de segregação, de discriminação ou coisa que o valha”.
A decisão é de primeira instância, e o Ministério Público já recorreu. Procurado pela Folha de S.Paulo na ocasião, o parlamentar do Avante disse que “venceu a justiça e a verdade”.
Avesso às entrevistas para falar do caso, Cristófaro vem se defendendo através de vídeos. Em um deles, ele questiona “o que vale mais, uma frase fora de contexto de dois segundos, ou as milhares de horas que eu dedico às comunidades mais carentes desta cidade”.
Eleito pela primeira vez em 2016, Cristófaro acumulou ao longo dos dois mandatos polêmicas e denúncias por injúria racial.
A Folha de S.Paulo mostrou com exclusividade, em maio do ano passado, que ele é acusado pela auxiliar de enfermagem Dilza Maria Pereira da Silva de injúria racial. Após denúncia do Ministério Público, o caso tramita na Justiça.
Na Câmara, Cristófaro já chamou o vereador Fernando Holiday (PL) de macaco de auditório no plenário em 2019. Em 2018, ele também fez um vídeo no qual puxou os olhos se referindo ao vereador George Hato (MDB), que tem ascendência japonesa.
CARLOS PETROCILO / Folhapress