SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As negociações para detalhar a absorção do enclave armênio étnico de Nagorno-Karabakh pelo Azerbaijão começaram nesta quinta (21) sob um clima de consternação da liderança da região, que passou 32 anos como um ente autônomo após o fim da União Soviética.
“Karabakh foi largada sozinha: os pacificadores russos praticamente não cumprem suas obrigações, o Ocidente democrático virou as costas, assim como a Armênia”, afirmou à agência Reuters David Babyan, assessor do presidente da autoproclamada República de Artsakh, como os armênios chamam a região encravada em território azeri.
Uma delegação de Nagorno-Karabakh reuniu-se com representantes do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, na cidade azeri de Ievlakh. Segundo Babayan, ela recebeu um ditado genérico com os termos para o desarmamento da região e os passos para sua integração com o país que a cerca. “Temos um acordo de cessar-fogo, mas esperamos um acerto final”, afirmou.
Ofuscada pela Guerra da Ucrânia, a questão de Nagorno-Karabakh foi resolvida “manu militari” em apenas 24 horas, encerrando 32 anos de disputas que resultaram em duas guerra, um de 1992 a 1994 com vitória armênia e conquista de áreas em volta da região e outra, em 2020, com a retomada dos territórios pelos azeris.
Baku violou o cessar-fogo do conflito de 2020, mediado pela Rússia e mantido por uma força de paz de 2.000 soldados de Moscou, e bombardeou posições militares e equipamento em Nagorno-Karabakh. O Kremlin ficou imóvel, deixando isolado o premiê armênio, Nikol Pashinyan, desfeto de Vladimir Putin.
Sem condições de reagir e com a evidente falta de apoio de Moscou e Ierevan, os armênios étnicos capitularam, com talvez 200 mortos na conta da ação. Aliyev foi à TV proclamar vitória final e a conquista da região, enquanto Putin tratou o caso como caso consumado.
Isso sinaliza um enfraquecimento da posição relativa de Moscou na região, após séculos de comando contra os rivais turcos e persas. Mas a realidade geopolítica é outra, e o foco do Kremlin está ora na Ucrânia.
Ainda assim, é praticamente impossível que a retomada tenha ocorrido sem a consonância do Kremlin. No começo do mês, o presidente russo encontrou-se com o colega turco Recep Tayyip Erdogan, o maior apoiador do Azerbaijão, e quase certamente a partilha regional foi acertada ali.
Fica no ar o que o turco cedeu em troca para o russo. Ancara é membro da Otan (aliança militar ocidental) e, apesar de apoiar e armar Kiev na guerra, tem boa relação com Moscou, inclusive diversos projetos energéticos comuns. Erdogan condena a invasão, mas não adotou sanções contra o Kremlin.
O Ocidente, por sua vez, tentou entrar na discussão dando apoio simbólico a Pashinyan, com exercícios militares limitados entre EUA e Armênia que ironicamente acabaram na quarta (20). A União Europeia e a França também ensaiaram se envolver na discussão, mas o jogo estava jogado.
Para trás, como disse Babayan, ficaram os 120 mil armênios étnicos de Karabakh, que temem ser objeto de uma limpeza étnica. A promessa de Aliyev de integração pacífica é desafiada pelas décadas de conflito entre os vizinhos, numa região habitada por armênios pelo menos desde o século 2º antes de Cristo.
Na manhã desta quinta (madrugada no Brasil), o líder azeri conversou ao telefone com Putin. Segundo o Kremlin, o russo pediu proteção aos moradores da região, mas a avaliação é de que não há clareza acerca do que irá acontecer.
Só existe uma saída ligando Nagorno-Karabakh à Armênia, destino provável de eventuais refugiados, o chamado corredor de Lachin. Nos últimos meses, ele foi fechado diversas vezes por forças azeris, levando a críticas do premiê Pashinyan à ação dos soldados russos. Agora, o político enfrenta protestos de rua pedindo sua renúncia.
“A qualquer momento eles [azeris] podem nos destruir, cometer genocídio contra nós. O Ocidente está quieto, a Rússia está quieta, a Armênia está quieta. O que devemos fazer?”, queixou-se Babayan.
O que irá acontecer com a força de paz é incógnito também. Na quarta, um comboio russo foi atacado por forças azeris e houve um número não revelado de mortos logo após o cessar-fogo de Baku. Aliyev, segundo o Kremlin, pediu desculpas pelo incidente.
IGOR GIELOW / Folhapress