Filme ‘Assexybilidade’ fala sobre direito sexual de pessoas com deficiência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É com a boca que se beija, responde Amanda Soares, 23, às perguntas que costuma receber sobre como beijá-la. Professora, pesquisadora e influencer com paralisia cerebral, ela compartilha nas redes sociais sua relação com corpo, amor e sexo.

Em outubro, no Festival do Rio, também poderá ser vista no documentário “Assexybilidade”, de Daniel Gonçalves, como uma das 15 pessoas que contam histórias sobre a sexualidade de pessoas com deficiência.

“Queremos mudar a ideia de que são seres assexuados, angelicais, especiais e, até mesmo, desprovidos de desejos. Nós fodemos e fodemos bem, dizem por aí”, afirma a sinopse do documentário.

O direito sexual e reprodutivo é um direito humano universal, mas não é assegurado para pessoas com deficiência. Fatores como estigma, capacitismo e superproteção das instituições interferem na sua garantia.

Quando Amanda foi na ginecologista pela primeira vez, aos 18 anos, quis conversar sobre sexo, mas a médica perguntou se mulheres com deficiência tinham relações sexuais. Falar com o pai também seria delicado e ela não achou muitas informações online, então procurou outra médica.

“Descobri que a paralisia cerebral provoca tensões não só no corpo como inteiro, mas também nos órgãos sexuais. Ou seja, mulheres podem pressionar demais a vagina e fazer com que a penetração seja ruim”, diz.

Falar sobre sexo é um tabu para todo mundo, mas esse tabu é quadriplicado para pessoas com deficiência, afirma Daniel. “A gente entrevistou um cara com síndrome de Down. Ele conta que já teve algumas namoradas e que os pais não deixavam eles transarem”.

Lais Costa, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, diz que acontece um “roubo da vivência da sexualidade plena em nome da proteção” em relação às pessoas com deficiência -principalmente intelectual.

“Quando a gente repete que ela é uma eterna criança, a gente está roubando dela o direito de ter uma vida adulta. Não é questão de eu querer, ela tem que querer ou não”, diz Costa.

O estigma e a superproteção também deixam as pessoas com deficiência mais vulneráveis à violência, segundo a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella.

“Esse tabu acaba abrindo espaço para todo tipo de violações de direitos humanos. Não falar já é uma violação”, diz.

No Brasil, há a estimativa que 90% das mulheres com deficiência sejam vítimas de violência sexual ao longo da vida, segundo pesquisa da Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas).

Ainda assim, diz Costa, não se faz grupo de apoio para essas mulheres e a família superprotege sem fazer questão de ensiná-las desde criança a separar o que é carinho do que é abuso.

A ENSP lançou em 2022 o Guia de Direitos e Saúde Sexual das pessoas com deficiência. A cartilha foi pensada depois de reuniões virtuais durante a pandemia que mostraram o nível de desinformação sobre a sexualidade relacionada à deficiência.

“Meu médico falou que não posso ter filho” e “O profissional de saúde falou que sempre vou ser uma menininha” foram alguns dos relatos que incentivaram a confecção. “São mitos e estigmas de uma vida subalternizada dessas pessoas”, diz Costa.

No filme de Daniel, o ator João Paulo Lima, 42, faz o trecho de uma apresentação chamada “Devotee” (nome dado ao fetiche de pessoas sem deficiência em relação às com deficiência). Segundo ele, que trabalha com o corpo, a deficiência permitiu que uma sexualidade com pontos fortes e frágeis -como de todas as pessoas.

“Acho que tem pessoas bípedes, enxergantes e ouvintes muito menos bem resolvidas com seu corpo”, diz João Paulo, que teve a perna esquerda amputada aos 12 anos.

Ele construiu o espetáculo com o dinheiro da venda de fotos e vídeos do corpo em posições sensuais. “É uma forma de debochar do capacitismo mostrando o poder de vender material pornográfico do corpo com deficiência”, diz.

O documentário tem outras performances de pessoas com diferentes formas de deficiência e fala sobre flerte, beijo na boca, namoro, masturbação, orientação sexual e capacitismo, além de sexo. “Acho que o filme vai incomodar algumas pessoas, mas acho bom que incomode”, diz Daniel.

MITOS E VERDADES

O Guia de direitos e saúde sexual das pessoas com deficiência da Escola Nacional de Saúde Pública elenca mitos e verdades sobre a vida sexual de pessoas com deficiência. Veja três deles:

**MITO:** “Assexuadas ou com poucas necessidades sexuais”, “Eternas crianças/imaturas, incapazes de aprender os ritos da afetividade, da sexualidade e para a prevenção contra abusos”.

Não há evidência de relação entre falta de desejo sexual e deficiência. A crença do desinteresse sexual leva ao descaso com a educação em saúde, e a produção de apoios necessários. Superproteção, falta de informação e exclusão social levam à inibição do amadurecimento, ao cerceamento da vida adulta, e dificultam a identificação de abusos.

**MITO:** “São cisgênero heteronormativas”.

Há pessoas com deficiência LGBTQIA+. O preconceito invisibiliza essa população.

**MITO:** “Incapazes de ter uma sexualidade normal; seu sexo é desviante, fora da norma”.

O capacitismo (discriminação que tem como base a ideia de incapacidade da pessoa com deficiência, atribuindo-lhe menor valor) dificulta as necessárias adequações no ambiente. Toda expressão consentida da sexualidade é normal.

GEOVANA OLIVEIRA / Folhapress

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