Não devemos treinar alunos contra ataques, afirma pesquisadora dos EUA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Referência no estudo de ataques a escolas, Sherry Towers, dos Estados Unidos, recomendou fortemente que os estudantes não recebam treinamento contra esse tipo de crime. “Além de ser um trauma, ações assim não levam em conta que futuros agressores também estão lá, aprendendo a driblar as estratégias de segurança.”

Towers participou de um debate no 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, organizado pela Jeduca (associação de jornalistas de educação), nesta semana em São Paulo, e discutiu a cobertura dos ataques a escolas com Telma Vinha, pesquisadora da Unicamp que estuda esse tipo de violência no Brasil.

Towers contou que o treinamento de alunos é comum nos EUA. Em sua apresentação, ela mostrou imagens dessas ações com jovens deitados no chão, fazendo o papel de vítimas em um ataque simulado, e crianças encolhidas embaixo de carteiras.

“Meus filhos sofreram o trauma de passar por esses treinamentos. É algo que faz as crianças terem pesadelos”, ela afirma. “E o problema não é só o trauma, mas que o futuro agressor está no mesmo público pensando em atalhos para agir”, reforçou. “Eu recomendo fortemente não treinar as crianças”, disse, na apresentação.

Depois do debate, em conversa com a reportagem, Towers afirmou que esse tipo de treinamento poderia até ser pensado para professores e demais funcionários das escolas, mas não para os estudantes, em especial para crianças. Ela relatou também que, nos Estados Unidos, postos policiais foram instalados em escolas.

“Nesse cenário, conflitos entre alunos, que deveriam ser solucionados com apoio pedagógico, vão parar na polícia, e crianças chegam a ser presas”, ela contou.

Essa abordagem policialesca, segundo ela, não tem conseguido reduzir esse tipo de violência. Para Towers, é preciso trabalhar em outras frentes de prevenção.

“Temos que pensar nesses ataques como em doenças. Não há somente uma ação que pode dar conta disso, mas uma abordagem multifacetada”, afirmou. “O combate à Covid, por exemplo, se dá com máscaras, distanciamento social, vacina, tratamento aos doentes etc.”, apontou. “Com a violência nas escolas, devemos também atuar em diferentes frentes, e não só pensar no momento de um ataque.”

Ela diz ser necessário atuar quando o potencial agressor está na fase de fantasiar sobre cometer um ataque, planejar a ação e prepará-la. “Se só nos voltamos ao ataque, negligenciamos as etapas anteriores, nas quais poderíamos atuar para a prevenção.”

É preciso identificar as crianças que estão passando por bullying, com problemas mentais, ansiedade, dificuldades na internet, afirmou. “Temos que apoiar as crianças que estão sofrendo. Elas são mais suscetíveis a serem cooptadas por ideias radicais.”

A pesquisadora diz ter “um sonho”. “É algo simples: um aplicativo que todas as crianças acessassem uma vez por mês e respondessem a perguntas como: ‘Você se sente seguro em casa? Na escola? Na internet? Está tendo algum problema?’ Isso nos ajudaria a ter recursos para dar suporte a essas crianças.”

Towers é cientista de dados nos Estados Unidos e estudou por muitos anos a propagação do contágio em epidemiologia, experiência que a levou a criar um modelo de análise do chamado efeito contágio em ataques em massa.

“Comecei a entender como o comportamento humano se espalha como uma doença”, afirmou. “Medo, ódio e pânico podem ser muito contagiosos em uma população, da mesma forma que crimes violentos.”

Towers e outros pesquisadores da Universidade do Arizona concluíram que de 20% a 30% dos ataques nos EUA acontecem por contágio. Um ataque, de acordo com a pesquisa, tende a levar outros a ocorrerem em um período de cerca de duas semanas.

Esse efeito contágio pode ser provocado pela cobertura da mídia, na opinião dos pesquisadores. “A depender da forma como um ataque é exposto, do nível de detalhes, a cobertura pode virar um roteiro para futuros ataques”, afirmou. “Se a mídia mostra que roupas, armas e estratégias os agressores utilizaram, ela pode ajudar no planejamento de crimes. É preciso avaliar se é necessário publicar tantos detalhes.”

Telma Vinha elogiou a postura da imprensa brasileira, que passou a discutir os caminhos para essa cobertura, especialmente a partir dos ataques recentes. “O que aconteceu foi louvável, tivemos uma autorregulamentação, e que não foi acrítica.”

Vinha lembrou que os conteúdos relacionados aos ataques, principalmente os vídeos, mesmo quando não divulgados pela imprensa, circulam nas redes sociais. “São comunidades que compartilham tutorial de assassinatos, como fabricar bombas, conseguir armas. Os membros celebram os ataques e idolatram os agressores.”

Ela disse que após ação do governo federal, em abril, houve uma queda de comunidades assim, mas elas voltaram a crescer em junho e julho. “É ingênuo pensar que vão desaparecer sem uma regulação muito forte da internet.”

Os jovens, ressaltou, se sentem acolhidos por essas comunidades, e é acolhimento que a escola precisa oferecer a eles. “Políticas públicas precisam se concentrar nisso.”

A pesquisadora trouxe dados atualizados de ataques a escolas brasileira: de 2001 a junho de 2023 foram 33 ataques, sendo que 18 deles (54,5%) ocorreram após a pandemia (a partir de fevereiro de 2022). O total de vítimas foi de 130, sendo 33 que morreram. “Vimos muitos governadores e prefeitos reforçarem a segurança em regiões socioeconomicamente vulnerárias, mas o levantamento mostra que os ataques acontecem principalmente entre escolas de nível médio para alto.”

LAURA MATTOS / Folhapress

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