Cid constrange Forças Armadas ao delatar consulta de Bolsonaro sobre golpe

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O tenente-coronel Mauro Cid ampliou a pressão sobre as Forças Armadas ao dizer, em delação à Polícia Federal, que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) submeteu a militares de alta patente uma minuta de decreto para dar um golpe de Estado após o segundo turno das eleições de 2022.

A informação, divulgada nesta quinta-feira (21) pelo UOL e pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha de S.Paulo, levou desgaste à instituição ao colocar antigos chefes no centro das apurações.

As repercussões resultaram em manifestações do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, do Exército e da Marinha, além de discussões no Congresso de eventuais convocações na CPI do 8 de Janeiro.

A defesa de Bolsonaro disse em nota que ele não compactuou com ações sem respaldo na lei e que vai adotar medidas judiciais contra eventuais calúnias em delação premiada, sem citar diretamente Cid.

Segundo reportagem do UOL, Cid afirmou à PF que a minuta foi entregue pelo então assessor Filipe Martins a Bolsonaro, que a levou a integrantes da cúpula militar.

O tenente-coronel afirmou que Almir Garnier, almirante e comandante da Marinha na ocasião, manifestou-se favoravelmente ao plano de golpe durante as conversas de bastidores, mas que não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.

Cid, segundo a reportagem, contou aos investigadores que testemunhou tanto a reunião em que Martins fez a entrega do documento a Bolsonaro quanto a do então presidente com militares. Não há informações se ele entregou algum tipo de prova que confirme ou reforce seu relato à PF.

Seis generais do Alto Comando do Exército consultados pela reportagem afirmaram que não foi apresentado ao colegiado a consulta de Bolsonaro sobre um possível apoio ao golpe. A avaliação, porém, é que o então comandante, general Freire Gomes, reservava os assuntos espinhosos para um grupo de oficiais mais restrito.

Procurado, Martins não respondeu. Seu advogado, João Manssur, disse que não poderia se manifestar por não ter conhecimento do assunto e não estar constituído nos autos. A reportagem também entrou em contato com um assessor de Garnier, mas não houve resposta.

A defesa de Mauro Cid, por sua vez, divulgou nota em que afirma: “Os referidos depoimentos […] são sigilosos, e por essa mesma razão, [a defesa] não confirma seu conteúdo”.

A jurisprudência brasileira estabeleceu que a palavra oral não é uma prova suficiente para oferecer uma denúncia a um juiz ou a um tribunal, no caso de quem possui foro.

O colaborador precisa apresentar elementos de corroboração externos para comprovar seu testemunho, como extratos, fatura de cartão crédito, passagens, recibos, mensagens e outros dados.

A falta desses elementos derrubou, nos últimos anos, denúncias que tinham sido apresentadas no âmbito da Operação Lava Jato, investigação que mais usou esse tipo de compromisso.

A informação de que Cid envolveu militares de alta patente numa trama golpista levantou novamente questionamentos sobre a atuação dos fardados após a derrota de Bolsonaro e sobre a penetração de ideias antidemocráticas na caserna.

Segundo pesquisa Datafolha realizada neste mês, as Forças Armadas são consideradas muito confiáveis por 34% dos brasileiros, menor índice da instituição na série histórica iniciada em 2017.

Para 61%, oficiais das Forças estiveram envolvidos em irregularidades no governo Bolsonaro, contra 25% que não acreditam na hipótese e 14% que dizem não saber.

Diante da repercussão do conteúdo da delação de Cid, o ministro Múcio afirmou se incomodar com a “aura de suspeição coletiva” que se tem mantido com as informações.

“Na realidade, isso não mexe conosco porque trata-se de pessoas que pertenceram [às Forças Armadas]. Nós desejamos muito que tudo seja esclarecido. Evidentemente que constrange. Essa aura de suspeição coletiva incomoda.”

O ministro da Defesa disse ainda que sua única “certeza cristalina” é a de que um golpe contra a democracia não foi do interesse das Forças Armadas. “São atitudes isoladas, mas ao Exército, Marinha e Aeronáutica nós devemos a manutenção da nossa democracia.”

A Marinha, em nota, afirmou que não ter acesso à delação de Cid. A Força disse que não se manifesta sobre processos investigatórios em curso, mas que sua conduta foi sempre pautada pela “fiel observância da legislação, valores éticos e transparência”.

“A Marinha do Brasil reitera, ainda, que eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força e que permanece à disposição da justiça para contribuir integralmente com as investigações”, completou.

Já o Exército declarou, também em nota, que não se manifesta sobre “processos apuratórios em curso” e que tem colaborado com as investigações.

“Por fim, cabe destacar que a Força pauta sua atuação pelo respeito à legalidade, lisura e transparência na apuração de todos os fatos que envolvam seus militares.”

Os militares do Alto Comando do Exército ouvidos pela reportagem afirmaram que se pautaram pelo legalismo quando estavam no centro de protestos contra a eleição de Lula.

Dois deles relataram incômodo pelo fato de as Forças Armadas aparecerem com frequência em páginas policiais e disseram que os vazamentos sobre a delação de Cid têm gerado insatisfações e dúvidas sobre possíveis buscas e apreensões contra os citados.

Nos últimos dois meses de 2022, Garnier, ex-comandante da Marinha, foi o chefe militar que mais criou dificuldades para a transição de comando.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, ele se recusou a conversar com Múcio e, diante do almirantado, fez críticas a Lula e manifestou interesse em deixar o cargo antes da posse do petista.

O grupo de almirantes de Esquadra se contrapôs à antecipação da posse e, contrariado, Garnier decidiu faltar à cerimônia de passagem de comando –em ato inédito na democracia.

O conteúdo da delação também gerou impacto na CPI do 8 de Janeiro, que apura os ataques antidemocráticos contra as sedes dos três Poderes.

Parlamentares defenderam a convocação de Garnier. A relatora da CPI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), também quer ouvir Filipe Martins, que foi assessor de Bolsonaro.

“Eu acho que, diante dos fatos de hoje, o almirante passa a ser uma pessoa absolutamente fundamental. E a volta do Mauro Cid. Eu elencaria essas duas figuras como muito centrais para a reta final”, disse.

Apesar do esforço público, parlamentares da base reconhecem reservadamente que não há disposição nem tempo para aprofundar as investigações –que devem acabar com a entrega do relatório, prevista para 17 de outubro.

O presidente da CPI, deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA), descartou nesta quinta um segundo depoimento de Cid. Segundo ele, a medida seria “inócua” diante do sigilo da delação premiada assinada pelo militar com a Polícia Federal.

“Na minha visão, o foco da CPMI nesta reta final deve ser trazer a Força Nacional e os financiadores. E temos, além disso, a convocação do Braga Netto, que deverá ser ouvido na próxima terça (26)”, disse.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), membro da CPI, evitou o assunto nesta quinta. “Não tenho informações sobre isso. A delação está pública? Como é que vocês sabem disso?”, disse à reportagem.

CÉZAR FEITOZA, MARIANNA HOLANDA E THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress

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