SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para a geração que viveu a adolescência no final dos anos 1980 e no começo dos 1990, essas quatro mulheres eram maiores que os Beatles. A gente as conhecia pelo primeiro nome e as via todos os dias, em tudo que é canto.
Eu fingia que achava tudo cafona. Mas a verdade é que desde que Linda Evangelista, no auge, disse que não se levantava da cama “por menos de US$ 10 mil”, nunca mais deixei de prestar atenção.
O curioso é que nunca tinha ouvido a voz dela até assistir aos quatro episódios da minissérie “As Supermodelos”, do Apple TV+. Com uma hora de duração cada um, os episódios são divididos por tema.
O primeiro, chamado “O Look”, conta como quatro adolescentes as americanas Christy Turlington e Cindy Crawford, a britânica Naomi Campbell e a canadense Linda Evangelista começam a trabalhar e formam a turma.
O segundo, “A Fama”, conta que o pulo do gato da carreira das quatro não foi dado nas passarelas nem nas revistas, mas em um videoclipe.
O terceiro, “O Poder”, detalha como elas se tornaram “a cara” dos anos 1990 e como lidaram com isso. O último, “O Legado”, o mais melancólico, traz Linda Evangelista falando abertamente de suas desventuras pelo mundo dos procedimentos cosméticos.
Dirigido pelos documentaristas Larissa Bills e Roger Ross Williams, em “um casamento arranjado”, como disse Williams em entrevista, o projeto foi criado pelo produtor Brian Grazer, ganhador do Oscar por “Uma Mente Brilhante”, de 2001, e apresentado primeiro às quatro protagonistas.
Quando elas aceitaram a proposta, com a condição de terem crédito de produtoras executivas e direito de veto a qualquer trecho que desagradasse a elas, Grazer chamou o diretor Ron Howard, vencedor de dois troféus no Oscar por “Uma Mente Brilhante”, para ajudar.
E os dois convidaram Larissa Bills, uma mulher branca, e Roger Ross Williams, um homem negro, para formarem uma dupla cada um com uma equipe e viajar o mundo atrás das quatro supermodelos e entrevistar fotógrafos, estilistas, diretores de arte, editores de revistas et cetera.
A minissérie é uma homenagem, mas não é 100% chapa branca e as quatro contam histórias de horrores do mundo da moda. Linda Evangelista foi casada por cinco anos com um agente que batia nela, evitando o rosto para não atrapalhar o trabalho. Naomi Campbell foi assediada sexualmente e pediu socorro ao estilista tunisiano Azzedine Alaïa, morto em 2017, com quem tinha uma relação muito próxima.
Christy Turlington conta que, no começo, era comum que as três mulheres brancas fossem chamadas para o mesmo trabalho, mas não a única negra da turma. Decidiu vincular sua participação à presença de Campbell, que às vezes era chamada e paga para fazer um editorial com as outras três, mas, no dia das fotos, ficava esperando sua vez.
Cindy Crawford, a mais empreendedora, conta que uma hora percebeu que os limites impostos a uma modelo não faziam o menor sentido para ela. Em vez de ficar na torcida por um convite para fazer parte do calendário da Pirelli, decidiu fazer o próprio e lançar em grande estilo.
“Essas foram as primeiras modelos que romperam várias barreiras no mundo da moda”, diz Williams. “Antes delas, havia as modelos de passarelas e as modelos de editoriais. Eram duas turmas que não se encontravam, e ninguém sabia o nome de ninguém.”
Larissa Bills acrescenta que “o trabalho de uma modelo era ficar parada e mostrar uma roupa, nunca a sua personalidade”. “Mas, como elas ficaram amigas, uma fortaleceu a outra e, juntas, as quatro decidiram que iriam além desse horizonte de ser um bom cabide.”
Elas se tornaram superestrelas globais, conhecidas só pelo primeiro nome e jamais confundidas com outras. “Elas estavam no lugar certo, na hora exata”, diz Williams. “O surgimento da MTV, lançada nos Estados Unidos em 1981, catapultou a união de universos que andavam lado a lado, mas nunca se encontravam, que eram o da música, o da moda e o do cinema”.
E então, um videoclipe mudou o mundo. Foi “Freedom”, de George Michael, dirigido por David Fincher em 1990 e inspirado na capa da edição britânica da revista Vogue de janeiro daquele ano, fotografada por Peter Lindbergh.
O cantor optou por não aparecer no filme e, para o seu lugar, convidou as quatro mulheres mais lindas e famosas da época para dublar a música. Até hoje, o clipe é um dos mais conhecidos do mundo.
Cindy Crawford também foi namorada de um dos atores mais cobiçados de Hollywood na época, Richard Gere. Foi com a supermodelo ao seu lado que ele foi a uma entrega do Oscar, em 1991. Crawford pediu que o estilista italiano Valentino costurasse um vestido para ela, que chegou com um longo vermelho e decotado jamais visto no prêmio.
Na época, era considerado fútil que uma atriz se arrumasse de forma tão exuberante para uma premiação. As estrelas do cinema de então, como Sharon Stone e Meg Ryan, tinham um certo orgulho de aparecer vestidas de maneira simples e sem grandes produções de cabelo e maquiagem.
Hoje em dia, as quatro têm entre 54 e 59 anos e, com exceção de Naomi Campbell, que continua na ativa, cuidam cada uma de sua vida. Elas encararam a passagem do tempo de formas distintas.
Linda Evangelista mergulhou no mundo dos procedimentos estéticos, até que teve um encontro trágico com um processo que serve para congelar e assim, destruir as células de gordura do corpo, técnica chamada “cool sculpting”, e que pode, em uma porcentagem muito pequena da população, ter o efeito contrário e fazer surgir pelotas de gordura no lugar em que a ideia era eliminar isso.
Evangelista está processando a empresa e diz que o problema a fez cair em uma depressão da qual nunca mais conseguiu sair. Ela também está se tratando contra um câncer de mama reincidente.
Cindy Crawford diz que hoje em dia é conhecida como “a mãe de Kaia”, falando da modelo Kaia Gerber, de 22 anos, sua filha, junto com o ex-modelo e empresário Rande Gerber, com quem é casada há 25 anos.
Christy Turlington se casou há 20 anos com o ator e diretor Edward Burns, com quem tem dois filhos. Virou adepta da ioga, autora de livros sobre a prática e até hoje viaja a Califórnia, onde vive sua mãe, a ex-comissária de bordo salvadorenha María Elizabeth Turlington, toda vez que a mãe precisa de um corte de cabelo. Turlington tem esse talento secreto, e saber essas histórias de bastidores é a grande graça desta minissérie.
– Onde Disponível no Apple TV+
AS SUPERMODELOS
– Classificação 14 anos
– Elenco Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e Christy Turlington
– Produção EUA, 2023
– Direção Roger Ross Williams e Larissa Bills
TETÉ RIBEIRO / Folhapress