SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A The New York Times Magazine publicou uma reportagem neste mês que se debruça sobre o fato de que os homens americanos não estão no ensino superior na mesma proporção que as mulheres. Segundo o texto, a disparidade de gênero nas universidades dos Estados Unidos pode afetar não apenas o cenário dos campi, mas a saúde mental masculina, o mundo profissional e até as relações afetivas.
Em 2022, as mulheres superaram os homens nas turmas iniciais de todas as universidades da Ivy League –a elite das instituições acadêmicas americanas, que inclui Harvard e Yale. A exceção foi apenas em Dartmouth, no estado de New Hampshire.
Na Universidade de Tulane, em Nova Orleans, o último ano da turma de calouros foi quase dois terços feminino. Em um cálculo aproximado, a maioria das pequenas faculdades de cursos de ciências humanas é 60% feminina. Essa diferença fica ainda mais evidente em instituições historicamente negras.
Por outro lado, as faculdades com equipes de futebol americano de destaque, com a palavra “tecnologia” no nome, ou escolas de elite na área de engenharia, como Carnegie Mellon, na Pensilvânia, tendem a conseguir chegar mais parto da paridade de gênero. Mas não alteram o panorama nacional.
O pouco envolvimento dos homens no ensino superior pode ser atribuído a uma “falta de rumo” do masculino, como foi caracterizada por Richard Reeves, pesquisador do Brookings Institution. Em entrevista à New York Times Magazine, o acadêmico apontou que esse fator pode até estar associado ao aumento das taxas de suicídio entre os jovens. “Esses caras estão realmente perdidos”, disse.
Outro motivo para esse desequilíbrio pode estar nos salários dos homens, que tendem a ganhar valores maiores mesmo sem um diploma universitário, ao contrário das mulheres. Em geral, os empregos mais comuns para eles estão na construção civil ou na tecnologia, que pagam significativamente mais.
O fator cultural, com ataques constantes de conservadores ao ensino superior, também podem ter reverberação nas escolhas masculinas. Acusações, por exemplo, de que a chamada “ideologia de gênero” estaria sendo imposta aos estudantes nas faculdades de humanas faz essas instituições se tornarem ameaçadoras para as concepções tradicionais de masculinidade.
Com isso, até mesmo as relações afetivas nos ambientes universitários podem estar comprometidas. De acordo com a reportagem, que ouviu estudantes do sexo feminino da Universidade de Vermont, a desproporção faz os homens heterossexuais agirem com uma postura arrogante e exigente. Ao final de uma graduação com experiências frustrantes, as mulheres acabam se tornando menos confiantes sobre o que esperar de um relacionamento saudável.
O fato de haver mais mulheres que homens matriculados no ensino superior pode estar relacionado ao desenvolvimento intelectual feminino, que já começa a se descolar do masculino com performances melhores em testes de leitura e escrita na quarta série. Com notas mais altas também no ensino médio, elas se sentem mais preparadas para as faculdades.
Historicamente, o número de mulheres no ensino superior americano começou a aumentar nos anos 1960. A tendência continuou a subir, e nos anos 1980 elas já eram maioria. Em 1999, a Universidade da Geórgia deu aos candidatos do sexo masculino 0,25 pontos adicionais nos testes de admissão. Com isso, a instituição conseguiu manter uma proporção de 45% de homens e 55% de mulheres.
Embora iniciativas como essas –que os críticos vêm chamando de ação afirmativa para homens– possam ser questionáveis, elas não são alvos de nenhum impedimento legal. Assim, a Suprema Corte dos EUA é mais permissiva com a discriminação com base no gênero do que com base na raça –nesse último caso, as ações existentes foram derrubadas pela corte em junho.
Para os setores responsáveis pelas matrículas, caso a desproporção se torne muito acentuada, os alunos de todos os gêneros podem perder o interesse em frequentar as universidades.
“Seja justo ou não, faculdades com paridade de gênero ou próximas disso têm sido vistas como as mais desejáveis”, disse Sara Harberson, ex-diretora de admissões e auxílio financeiro da Franklin & Marshall College e fundadora da Application Nation, uma comunidade de aconselhamento universitário online.
Para tentar alcançar a equidade de gênero na admissão e incentivar as candidaturas de homens, as instituições têm investido em equipes de esportes tradicionalmente masculinos. Segundo levantamento da revista, cerca de 73 das universidades criaram seus próprios times de futebol americano na última década. Outras, de porte menor, como as faculdades de humanas, investiram em rúgbi e vôlei masculino.
Mas se a entrada dos alunos pode ser até estimulada, o engajamento acadêmico não é tão simples assim. Muitas vezes os atletas faltam às aulas para competições, treinamentos ou exercícios físicos. Segundo um estudo de 2010, também citado na reportagem, com 84 faculdades e universidades, alunos homens recrutados para algum esporte tinham notas médias mais baixas do que os não recrutados.
Além disso, é possível que essas ações gerem um círculo vicioso: quanto mais escassos os homens, mais eles acabam direcionando as prioridades de uma instituição, visto que as universidades buscarão medidas para atraí-los.
Em defesa da equidade nas turmas, por outro lado, Michael Roth, presidente da Universidade Wesleyan, no estado de Connecticut, disse à reportagem que a paridade de gênero cria um ambiente de aprendizado melhor.
“Provavelmente você trabalhará e viverá em um contexto onde há homens, mulheres e pessoas não binárias”, diz Roth. “E eu acredito que quando as escolas se concentram inadvertidamente em um gênero, elas têm uma capacidade diminuída de preparar as pessoas para o mundo além da formatura.”
Redação / Folhapress