Bolsa Família seria mais eficaz com fim de benefício mínimo de R$ 600, diz Banco Mundial

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O desenho do novo Bolsa Família corrigiu distorções importantes, mas ainda pode ser aprimorado para tornar a transferência de renda mais eficaz na redução da pobreza e da extrema pobreza no Brasil, aponta o Banco Mundial em nota técnica antecipada à Folha de S.Paulo.

Simulações feitas por especialistas do organismo internacional mostram que o pagamento de R$ 150 por membro da família, mais R$ 150 adicionais por criança ou jovem de até 18 anos, seria mais equitativo. Ao mesmo tempo, reduziria custos do governo federal com o programa.

O modelo indicado como “preferido” pelo Banco Mundial tem uma diferença essencial em relação ao desenho vigente: ele prevê a extinção do mínimo de R$ 600 por família, criado por ordem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mantido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como promessa de campanha.

A instituição reconhece que o fim desse piso para as famílias poderia criar um embaraço político, dada a sensibilidade do tema. Porém, o organismo apresenta uma série de dados para justificar a pertinência da mudança.

A nota também recomenda a discussão de uma eventual transição para não impor perdas repentinas às famílias que receberiam uma transferência menor sob o novo modelo.

As simulações têm sido discutidas com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e serão apresentadas em um evento público nesta terça-feira (26).

O trabalho foi conduzido pelos consultores Tiago Falcão Silva, Ricardo Campante Vale, Bruna Dominici Cricci, Gabriel Lara Ibarra e Josefina Posadas. Eles se debruçaram sobre dados da Pnad-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua), do IBGE, para estimar os impactos de cada desenho do Bolsa Família sobre as estatísticas de pobreza no país.

O modelo indicado como preferido pelo Banco Mundial, por exemplo, reduziria a proporção de famílias pobres a 25,7%, quando considerada uma linha de corte até meio salário mínimo. A pobreza infantil ficaria em 41,2%. Já o custo do programa seria de R$ 129,5 bilhões.

A título de comparação, o modelo vigente hoje, com piso de R$ 600 por família, R$ 150 por criança e R$ 50 para jovens, gestantes e nutrizes, manteria a proporção de pobreza em 25,9%, enquanto a pobreza infantil ficaria em 42,3%. O investimento de recursos, por sua vez, seria de R$ 140,7 bilhões.

Na prática, o confronto entre os dados mostra que o desenho atual demanda um gasto maior para obter um resultado pior em termos de redução da pobreza infantil e da pobreza como um todo no país.

Consultor sênior do Banco Mundial, Tiago Falcão faz a ressalva de que as simulações feitas a partir da Pnad-C não captam todos os beneficiários existentes hoje no cadastro do Bolsa Família –daí a diferença entre o custo de R$ 140,7 bilhões estimado para o desenho atual e o valor reservado pelo governo, que é de R$ 168 bilhões.

Ainda assim, ele ressalta que o exercício feito pelos técnicos dá uma dimensão de que é possível tornar o programa mais eficiente, tanto do ponto de vista fiscal quanto de impacto sobre a redução da pobreza.

O trabalho vem na esteira de um histórico recente de mudanças estruturais na política de transferência de renda aos mais vulneráveis.

Sob Bolsonaro, o programa social foi rebatizado de Auxílio Brasil e passou a pagar um valor mínimo por família, primeiro de R$ 400 e depois de R$ 600, independentemente do número de integrantes.

O desenho incentivou uma série de distorções: famílias com maior número de filhos recebiam um valor per capita menor do que um homem solteiro, por exemplo. Para driblar essa realidade, parte das famílias dividiu seus cadastros, ainda que vivessem sob o mesmo teto, em busca de ampliar os valores recebidos.

Em março, o governo Lula resgatou o nome original Bolsa Família e promoveu mudanças na tentativa de corrigir distorções. O programa paga agora um valor de R$ 142 por membro, mas manteve o mínimo de R$ 600 por família –além dos adicionais para crianças, jovens, gestantes e nutrizes.

“Embora o novo desenho do BF [Bolsa Família] tenha sido positivo e no caminho correto, mudanças adicionais são necessárias para eliminar completamente as distorções de um benefício familiar. Isso começa com a eliminação do complemento variável [para chegar aos R$ 600] e a completa reintegração de uma transferência per capita. Uma reforma desse tipo aumentaria a equidade”, diz o Banco Mundial na nota técnica.

Segundo Falcão, o novo desenho proposto pelo governo Lula “enfrenta o problema, mas não é uma solução permanente”, pois o estímulo à divisão artificial de famílias permanece. “Ainda existe espaço para melhorias”, afirma.

Nos cálculos da instituição, o “modelo preferido” proporciona ganhos a 46% das famílias beneficiárias, sobretudo aquelas com um adulto e dois ou mais crianças e jovens com idade entre 7 e 18 anos.

Por outro lado, a mudança pode impor perdas a outros 43% dos beneficiários. Desses, 15% teriam redução de R$ 150 em sua renda mensal, 14% perderiam R$ 300, e outros 14% deixariam de receber R$ 450.

Falcão ressalta que o percentual de afetados negativamente pode ser menor porque as famílias tendem a reagir ao novo desenho e se reagrupar. Ainda assim, o quadro indica a necessidade de se debater uma regra de transição, para evitar um grande baque sobre brasileiros que já estão em situação vulnerável.

A preocupação é maior com famílias com adolescentes. Em alguns casos, elas também passariam a receber um benefício menor no novo modelo.

“A gente não estabelece uma regra de transição exata, mas três elementos precisam ser debatidos: qual é o tempo de transição, se vale só para quem já está no programa ou para quem está entrando e qual é o ritmo dessa perda”, afirma Falcão.

Segundo o consultor, a transição pode ser maior ou menor, mas o ideal é ter um prazo estabelecido entre 12 e 24 meses.

Em termos de alcance, o governo precisaria decidir se famílias que ingressarem no programa após a mudança terão direito à transição, caso elas se encaixem em uma “característica de perda”, recebendo menos do que teriam direito sob o desenho antigo.

Embora o benefício monetário cumpra um papel essencial na redução da pobreza, o Banco Mundial ressalta ainda o papel estratégico da rede de serviços sociais voltados às famílias em situação vulnerável.

Nos últimos anos, o gasto do governo com serviços de assistência e operação de gestão dos benefícios caiu vertiginosamente, saindo de R$ 3,5 bilhões em 2017 para R$ 1,5 bilhão em 2022.

“Nossa percepção é de que o programa de transferência de renda funciona melhor conectado à rede de assistência e com outros programas acoplados. Isso estava no modelo de 2003, foi perdido em alguns momentos, e em outros foi reforçado, como no Brasil Sem Miséria”, diz Falcão.

Na nota, o Banco Mundial defende um remanejamento interno no orçamento do MDS: à medida que a pasta implementar o novo desenho do programa, os recursos poupados podem ser usados para reforçar as políticas de assistência.

Recentemente, o MDS lançou o programa Brasil Sem Fome, que pretende rastrear famílias em situação de insegurança alimentar grave e criar um sistema de monitoramento permanente da desnutrição, com o objetivo de recolocar o Brasil na trilha de saída do Mapa da Fome. As ações devem ser articuladas com o Bolsa Família.

O Banco Mundial também destaca a necessidade de retomar as condicionalidades do programa social, como a exigência de frequência mínima escolar e carteira de vacinação em dia.

Embora algumas taxas de acompanhamento já tenham voltado ao patamar histórico, a instituição identificou que o acompanhamento das crianças ainda está abaixo do observado no período pré-pandemia.

“Temos percebido alguma demora no processo de retomada das condicionalidades, que são uma das fortalezas do programa”, diz Falcão. Segundo ele, a recomendação de aprimoramento inclui não só retomá-las, mas também ampliá-las.

VEJA AS REGRAS DO NOVO BOLSA FAMÍLIA

Quem tem direito?

Famílias com renda familiar por pessoa de até R$ 218 inscritas no Cadastro Único. A renda familiar por pessoa é a soma de todas as rendas do lar, dividida pelo número de membros.

Como o benefício é calculado?

Há um benefício básico por pessoa. Cada integrante da família recebe R$ 142 mensais. Há ainda a garantia de um pagamento mínimo de R$ 600 por família, ou seja, se a soma dos benefícios não for suficiente, o governo fará o repasse de um valor complementar para assegurar esse piso

O programa também prevê um adicional de R$ 150 por criança de 0 a 6 anos, e outro de R$ 50 para crianças e adolescentes entre 7 e 18 anos incompletos, bem como para gestantes e nutrizes

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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