SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) negocia a transferência de Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, e mais outros três internos da Unidade Experimental de Saúde, na Vila Maria, zona norte de São Paulo, para o Hospital de Custódia de Taubaté, no interior paulista.
A transferência foi proposta pela Secretaria de Estado da Saúde em reunião há cerca de um mês, mas depende de uma decisão judicial porque o acusado pelo duplo homicídio de um casal de estudantes em 2003 continua internado com base em um artigo do Código Civil, e não por uma condenação passível de execução penal.
O artigo 1767 do Código Civil prevê que criminosos dotados de transtornos mentais devem ser mantidos em instituições apropriadas. A curatela, instrumento jurídico atribuído a pessoas incapazes de se responsabilizar pelos seus atos, deve ser determinada pelos pais, responsáveis ou, na ausência deles, pelo Ministério Público, como ocorreu no caso de Champinha.
Champinha, 36, é acusado pelo assassinato dos estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, cometido em novembro de 2003, quando ele tinha 16 anos. Na época, foi determinada a internação dele por três anos na Fundação Casa. Passado o período da medida, o Ministério Público de São Paulo ingressou com ação de interdição com internação psiquiátrica obrigatória.
Em trecho da decisão pela internação, a Promotoria apontou “o histórico familiar do interditando, que mostrou dificuldade em se expressar; dificuldade na escola, destacando que foi reprovado cinco vezes na terceira série primária até que desistiu; fez uso de drogas, tem uma avó com problemas psiquiátricos; familiares com antecedentes criminais, aos 15 anos submeteu-se a exame neurológico com eletroencefalograma e usou medicamento com prescrição médica”, segundo trecho do processo.
A decisão foi apreciada pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça), que confirmou a interdição em 2019. Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que o caso está em segredo de Justiça e, por isso, não pode comentar a possível transferência.
A Secretaria de Estado da Saúde afirmou que Champinha permanece na Unidade Experimental de Saúde e que só pode sair de lá mediante decisão judicial. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) também foi questionada, mas não respondeu.
O artigo do Código Civil que mantém a interdição de Champinha, porém, se tornou ilegal com a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015, segundo o psicólogo Lucio Costa, diretor de ONG Desinstitute. “Do ponto de vista legal não faz o menor sentido [a possível transferência para hospital de custódia] porque não existe prisão perpétua na legislação brasileira”, diz. “Champinha cumpriu a medida protetiva de três anos na Fundação Casa prevista pelo ato infracional. Passado isso, nada justifica ele continuar custodiado.”
Outro entrave para a gestão estadual transferi-lo é encontrar uma maneira de isolar Champinha dos demais custodiados do hospital em Taubaté para evitar uma nova tentativa de rebelião e fuga, como a que ele foi acusado de liderar em setembro de 2019 na Unidade Experimental de Saúde.
Na ocasião, segundo boletim de ocorrência, ele e mais dois internos fizeram um agente de refém. O funcionário foi ameaçado por um objeto pontiagudo por duas horas e meia. Um estilingue foi apreendido.
A negociação sobre a transferência dos internos da Unidade Experimental de Saúde é motivada por nova legislação que tornou irregular a detenção de pessoas com diagnóstico de transtornos mentais. Segundo resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), os manicômios judiciários não podem mais receber internos com a chamada medida de segurança desde a segunda quinzena de agosto.
A Folha de S.Paulo mostrou na última sexta-feira (22) que o governo Tarcísio cogita, com a transferência de Champinha, transformar a Unidade Experimental de Saúde em equipamento de atendimento a usuários de drogas. A ideia foi motivada pelo fato de a principal porta de entrada para tratamento de dependentes químicos estar perto de atingir a capacidade total de atendimento diante da procura crescente. Os dois endereços ficam a cerca de 15 minutos de carro de distância.
Para o psicólogo Costa, porém, a ida de Champinha para o hospital de custódia também vai contra a nova determinação do CNJ. “A resolução orienta o Judiciário de que hospitais de custódia não são espaços de tratamento, e devem ser fechados.”
A Secretaria de Estado da Saúde rebateu a crítica e argumentou que a Unidade Experimental de Saúde não tem relação com a resolução do CNJ porque não se trata de um hospital de custódia.
Apesar de determinar o fechamento de hospitais de custódia e congêneres, a resolução não prevê qualquer sanção caso os tribunais de Justiça dos estados não cumpram a medida. “Não se sabe ainda a consequência do não cumprimento”, diz o diretor da ONG Desinstitute.
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress