SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não há políticas públicas suficientes para o enfrentamento emergencial de altas temperaturas em São Paulo, especialmente em relação à população em situação de rua. O diagnóstico é de pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo) que estudam como cidades do mundo inteiro têm respondido a esses fenômenos climáticos extremos.
A Prefeitura de São Paulo iniciou na última quarta-feira (20) a Operação Altas Temperaturas, que montou tendas em cinco regiões da cidade, com distribuição de garrafas de água, frutas e bonés, além da livre oferta de água em bebedouros, aferição de pressão arterial e uma área de descanso com ventiladores para as pessoas se refrescarem.
Cidades europeias e norte-americanas têm adotado planos para enfrentar as crescentes ondas de calor há duas décadas, segundo Denise Duarte, professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP e pesquisadora do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética (Labaut).
“Há uma preocupação em disponibilizar fontes de água potável, que atendam a população a qualquer hora do dia e da noite, para diminuir a dependência da distribuição de garrafas de água. Piscinas públicas, fontes e pontos de jato de água ajudam as pessoas a se refrescarem. Em Paris, os parques públicos ficam abertos 24 horas por dia durante as ondas de calor”, diz Denise.
Em parceria com pesquisadores do King’s College de Londres e da Universidade Livre de Berlim, Luiza Muñoz, pesquisadora do Labaut, identificou as políticas adotadas por Londres e Berlim voltadas à população em situação de rua durante períodos de calor extremo.
Na capital alemã, ela destaca os “cooling buses” (ônibus de resfriamento, em tradução livre). Financiada pelo órgão equivalente à Câmara Municipal, uma associação disponibiliza e opera alguns ônibus climatizados para a população de rua se recuperar do estresse térmico.
“Além disso, esses ônibus cruzam a cidade e distribuem óculos de sol, protetor solar e água para a população de rua”, acrescenta Luiza.
Em Londres, a prefeitura disponibiliza e mapeia “cool spaces” (espaços frescos) para a população se abrigar durante as ondas de calor. São edifícios públicos, como bibliotecas e centros culturais, onde as pessoas podem se resfriar. Também são indicadas áreas sombreadas por árvores e regiões da cidade onde a temperatura é mais amena.
Denise destaca a relevância dos centros de resfriamento, ou “cooling centers”, para o enfrentamento emergencial das ondas de calor em cidades como Toronto, no Canadá, e Sydney, na Austrália.
Algumas iniciativas semelhantes têm sido pensadas para o Brasil, mas com adaptações. “Nossa versão não pode ser um espaço fechado. Usar ar-condicionado como ponto de partida não dá. E, depois da pandemia, a gente percebeu que prédios fechados não podem ser a única solução”.
Uma alternativa, segundo Denise, são os chamados oásis urbanos, com sombra, água e espaço para o corpo descansar. Baseados em vegetação e mobiliário urbano adequados, esses oásis criariam sombras de qualidade nos eixos de mobilidade ativa, como pontos de ônibus, praças e parques.
Desse modo, atenderiam tanto as pessoas em situação de rua como a população que vive nas regiões mais pobres da cidade e se desloca usando transporte público.
A inspiração também é internacional. “Em Paris, toda reforma de espaços públicos, como praças, parques e bulevares, leva em conta a adequação da cidade às temperaturas extremas.”
Juntos há 18 anos, o casal Wanderley, 50, e Maria, 40, recolhe recicláveis por São Paulo e, nos dias de calor, recorre ao parque da Juventude (zona norte) ou à praça da República (centro) para se refrescar:
“Essas tendas [montadas pela prefeitura] não são pra gente. A gente pode ir lá buscar água, maçã, mas não pode ficar lá. A gente sabe que não é pra gente”, diz Maria.
A prefeitura afirma que não limita a permanência nas tendas. Os espaços funcionam das 10h às 16h todos os dias em que as temperaturas ou a sensação térmica atingem 32°C.
Wanderley e Maria enfrentam outro desafio: encontrar locais para tomar banho. O casal diz usar o complexo de unidades assistenciais da prefeitura na rua Prates, no Bom Retiro, no centro. Como a rotina de coleta de recicláveis implica longos deslocamentos pela cidade, eles precisam andar muitos quilômetros para chegar ao local.
Já Eudóxio, 58, diz que percorre 6 km a pé “dia sim, dia não” para tomar banho nas fontes das praças da República e da Sé, também no centro.
Por volta das 13h do último sábado (23), ele se protegia do sol sob a estrutura do trecho aéreo da linha 1-azul do metrô na avenida Cruzeiro do Sul, em Santana, na zona norte. “É uma sombrinha boa, quebra um galho.”
Em nota, a prefeitura afirma que há “111 parques municipais na cidade, que, entre inúmeros benefícios, ajudam a melhorar o conforto térmico para a população e para os animais. Regiões arborizadas podem reduzir a alta temperatura em até 10ºC”.
Em monitoramento de março deste ano, foram constatados 54,13% de cobertura vegetal no município, com 70,72 m² por habitante, segundo a prefeitura. Os dados foram obtidos com imagens de satélite da Constelação Planet, por meio do Índice de Vegetação Normalizada disponível no Google Earth Engine.
CAIO REIS / Folhapress