Biden se junta a grevistas em movimento sem precedentes para um presidente

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em um movimento sem precedentes na história americana, um presidente se juntou a trabalhadores em greve. Nesta terça (26), Joe Biden viajou a Michigan para participar de um piquete organizado pela United Auto Workers (UAW), sindicato que representa metalúrgicos das três grandes montadoras do país.

O americano chegou ao aeroporto de Detroit por volta das 13h30 (horário de Brasília), onde foi recebido pelo presidente do sindicato, Shawn Fain. Em seguida, ele encontrou trabalhadores em um piquete em frente a uma fábrica da GM no condado de Wayne.

De boné e blusa azul com o símbolo da UAW e um megafone na mão, Biden afirmou aos grevistas que eles “merecem um aumento significativo e outros benefícios”. Ele disse ainda que os trabalhadores salvaram a indústria na última crise e que fizeram muitos sacrifícios.

Em seguida, o presidente assistiu a um discurso de Fain. “Os CEOs tomam as decisões, mas nós fazemos os produtos. Sem nossas cabeças e músculos, nenhuma roda vai girar”, disse. Ele citou outras categorias em greve, como professores e atendentes de redes de fast food, invocando a solidariedade dos trabalhadores.

“Obrigada, senhor presidente, por vir se juntar a nós. Nós sabemos que o presidente vai agir certo pela classe média. Obrigada por ser parte dessa luta”, completou.

Após o discurso do líder sindical, Biden retomou o megafone para falar: “Não foi Wall Street que construiu esse país, foi a classe média, e foram os sindicatos que construíram a classe média.”

Questionado se os grevistas deveriam receber um aumento salarial de 40%, o presidente respondeu que defende que eles possam barganhar por esse percentual.

Não é a primeira vez que o democrata visita um piquete da UAW. Quando ainda estava em campanha, em 2019, ele visitou trabalhadores em greve contra a GM em Kansas City.

A visita nesta terça de Biden, que gosta de repetir ser o presidente mais pró-sindicatos que já passou pela Casa Branca, ocorre um dia antes de uma visita anunciada pelo seu provável adversário na eleição presidencial do próximo ano, Donald Trump.

O empresário vai fazer um discurso nesta quarta em um comício -que não é patrocinado pela UAW- em vez de participar do segundo debate presidencial das primárias do seu partido.

Em 2020, o democrata venceu o republicano em Michigan por uma diferença de menos de três pontos percentuais. A UAW, uma organização historicamente à esquerda e enraizada na classe média, ainda não declarou apoio a nenhum candidato.

O apoio explícito manifestado por Biden, no entanto, também tem seus riscos. Cálculos da consultoria Anderson Group estimaram perdas de US$ 1,6 bilhão para a economia na primeira semana de greve. O prejuízo se concentra no estado de Michigan –uma paralisação contra a GM em 2019, por exemplo, levou a uma recessão trimestral da região.

O Instituto Peterson citou a paralisação como um dos principais riscos à economia americana ao anunciar suas novas projeções nesta terça. Se o impacto for confirmado, uma foto do presidente em um piquete pode ser um prato cheio para a oposição.

A greve já atinge 38 centros de distribuição e 3 plantas em 20 estados. Concessionárias e consumidores ainda não foram afetados, uma vez que as montadoras têm estoques para cerca de 55 dias.

A UAW, que representa 143 mil profissionais do setor, deu início à paralisação em 15 de setembro, após o fracasso nas negociações com Ford, GM e Stellantis. É a primeira vez que trabalhadores cruzam os braços nas três montadoras ao mesmo tempo.

A discussão trata do acordo coletivo para os próximos quatro anos, período chave em que a indústria faz a transição para a produção de veículos elétricos. Segundo estimativas do setor, a mão de obra necessária é cerca de 30% menor do que na fabricação de carros movidos a combustíveis fósseis.

Assim, o sindicato tenta garantir que os trabalhadores não sejam prejudicados com a mudança. A entidade também aproveita o momento de força, resultado de um mercado de trabalho extremamente aquecido, em que empresas têm dificuldade para preencher vagas. Só durante o governo Biden, o número de empregados no setor automobilístico aumentou em 235 mil, segundo a Casa Branca.

O presidente da UAW tomou posse no início do ano, na primeira eleição direta organizada pela entidade, fundada nos anos 1930. Ele venceu por uma diferença mínima de votos, prometendo uma postura mais dura contra as empresas para que dividam com os empregados os recentes lucros recordes registrados.

Entre as reivindicações feitas, estão por exemplo um aumento de 46% ao longo dos próximos quatro anos e o fim da existência de duas categorias de trabalhadores -divisão iniciada após a crise do setor em 2007, quando a UAW fez diversas concessões na negociação válida para novos trabalhadores.

As montadoras, por sua vez, argumentam que o aumento de custo com mão de obra, caso atendam as demandas do sindicato, vai disparar e prejudicar sua competitividade com outras companhias do setor, como a Tesla, cujos trabalhadores não são sindicalizados.

A migração para a produção de elétricos vem sendo promovida pela Casa Branca. No ano passado, o governo conseguiu que o Congresso aprovasse a Lei para Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), que, apesar do nome, tem como objetivo impulsionar a transição para uma economia verde.

A política prevê, por exemplo, isenções fiscais para consumidores que comprarem carros elétricos fabricados nos EUA, além de vantagens tributárias também para as montadoras.

A aposta da Casa Branca na economia verde, incluindo grandes incentivos para empresas, colocou Biden em uma posição delicada com trabalhadores de classe média em uma agenda que é fundamental para o presidente na véspera da eleição.

Trump já vem explorando esse flanco. Em discursos, o ex-presidente tem acusado o democrata de “matar trabalhadores” com sua política econômica.

Na manhã desta terça, o republicano postou na rede Truth Social que “o mandato draconiano e indefensável de veículos elétricos de Joe Biden aniquilará a indústria automobilística dos EUA e custará incontáveis milhares de empregos a trabalhadores do setor automobilístico”.

“Com Biden, não importa o quanto ganhem por hora, em três anos não haverá empregos no setor automobilístico, pois todos virão da China e de outros países. Comigo, haverá empregos e salários como você nunca viu antes”, disse.

Desde a declaração de greve, Biden tem manifestado apoio aos trabalhadores. No mesmo dia em que a paralisação começou, ele fez um discurso na Casa Branca defendendo a categoria.

“As empresas fizeram algumas propostas significativas, mas eu acredito que elas podem ir além, para garantir que os lucros corporativos recordes signifiquem contratos recordes”, disse o americano.

“Não estamos envolvidos nas negociações, isso é algo para que eles [sindicato e empresas] decidam. Biden está apoiando os trabalhadores, é isso o que o presidente está fazendo”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, na segunda (25).

Na semana passada, Biden recebeu o presidente Lula (PT) em Nova York, onde os dois anunciaram uma iniciativa conjunta em defesa dos direitos trabalhistas no século 21 -citando, por exemplo, os potenciais impactos da transição energética, da tecnologia e da inteligência artificial sobre a mão de obra.

O presidente brasileiro não deixou passar batido a greve histórica de trabalhadores de montadoras nos EUA, que começou na última sexta. Lula afirmou que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, se reuniu com a UAW, o sindicato que comanda a paralisação.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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