Onda de calor faz venda de sorvetes e água disparar e encalha roupas no inverno

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As ondas de calor que marcaram o inverno, encerrado oficialmente no último sábado (23), provocaram uma forte demanda por sorvetes.

O inverno deste ano deve ter aumento de 30% nas vendas, na comparação com a média da estação em anos anteriores, segundo a Abis (Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes). Há também uma projeção de crescimento de 3% a 4% no volume produzido e vendido em 2023.

“Por um lado está muito bom, porque estamos vendendo mais. Por outro lado, desequilibra a logística, com uma alta demanda em um período incomum”, diz Eduardo Weisberg, presidente da associação. “A gente acredita em um ano muito positivo.”

A Froneri Brasil, responsável pela produção de sorvetes da Nestlé, Lacta, Fini e Oreo, disse que a onda de calor elevou o volume de vendas em 95% no mês de setembro, o dobro do mesmo período em 2022. Considerando as últimas duas semanas, o crescimento foi de 160%.

Apenas a marca Sorvetes Nestlé registrou alta em setembro de 91% em relação ao último ano, e de 155% nas duas últimas semanas.

Outras categorias também registraram aumento nas vendas em supermercados e atacarejos regionais, com destaque para os líquidos. A procura por água explodiu, com alta de 44% entre junho e setembro deste ano, se comparado ao mesmo período de 2022. Os refrigerantes tiveram uma procura 14,4% maior, enquanto os energéticos cresceram 13,4%.

Produtos da chamada “cesta de verão”, que saem mais durante a estação mais quente, tiveram uma representatividade de vendas de 23,9% em relação ao total comercializado no varejo em setembro. No ano passado, o índice ficou em 22%.

A cesta contempla, além dos três produtos citados, açaí, água de coco, cerveja, gelo, inseticida, bronzeador e protetor solar, entre outros. Os números foram compilados pela plataforma Scanntech, que monitora mais de 40 mil pontos de venda.

A busca por ares-condicionados também está em alta, como mostrou reportagem da Folha. A indústria de ar-condicionado projeta fechar o ano com aumento de até 10% nas vendas, depois de encerrar 2022 com queda de 26% na produção de ar-condicionado do tipo split, e de 81%, entre os de janela.

SETOR TÊXTIL SOFRE COM QUEDA NAS VENDAS

Em contrapartida, as vendas no varejo têxtil no inverno apresentaram queda, com um desempenho abaixo do registrado no ano passado e aquém das expectativas do setor.

Na comparação com 2022, o volume de comercializações no setor de tecidos, vestuário e calçados caiu nos meses de abril (-11,0%) e maio (-18,2%). Nesses meses, as coleções outono e inverno já estão nas lojas. Em junho deste ano, mês que abre a estação gelada, a queda foi de 6,3% na comparação com junho do ano passado.

Houve ligeira alta apenas em julho de 2023 (+1,6%). Os dados são da Pesquisa Mensal de Comércio, elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No acumulado do ano até julho, a retração é de 7,5%.

“Não tivemos um inverno marcado, como tivemos no ano passado. Somado a isso está um cenário de juros elevados, famílias endividadas e reflexos da inflação [do ano passado], que agora vem cedendo”, afirma Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).

No Brás, bairro da zona leste de São Paulo, um dos principais polos comerciais da América Latina, a maioria das lojas já finalizou a troca das coleções e espera, com o forte calor, recuperar o que foi perdido no inverno. “Já começamos a sentir uma discreta melhora no consumo do vestuário de agora para esse fim de ano”, afirma o executivo.

ESTOQUES DE ROUPAS DE FRIO FICARAM CHEIOS

Lauro Pimenta, 33, proprietário da loja de jeans Dejelone, registrou vendas de 5% a 8% menores do que no inverno passado. “Mesmo na pandemia, tivemos estações melhores do que a estação deste ano.”

Yasmin Salomão, 26, proprietária da Alik Store, ainda mantinha peças de inverno, com descontos, expostas na loja, mesmo em uma quinta-feira de calor intenso. Uma jaqueta, que em épocas mais geladas sairia por R$ 180, hoje é vendida a R$ 130 –redução de 27%. Na compra de três peças, o cliente paga R$ 115 em cada uma (36% a menos).

“No ano passado foi bem melhor, poucas coisas ficaram estocadas. Neste ano, muita mercadoria vai ficar guardada para 2024”, diz. A estratégia da comerciante será vender via ecommerce o que restou para atender a demanda de quem mora no Sul ou de turistas que vão conhecer a neve do hemisfério norte, do Chile ou da Argentina.

“Sempre esperamos aquela sequência de sete a nove semanas de frio, que desperta o interesse das pessoas em comprar. Neste ano não teve. Foram poucos dias de frio e depois muitos de calor intenso. A oscilação jogou contra os interesses do comércio”, diz Pimenta, da Dejelone.

“A indústria da moda começa a planejar as coleções de frio seis meses antes do inverno. Em nenhum momento houve um pico de vendas”, diz Fauze Yunes, 48, presidente da Alobrás (Associação de Lojistas do Brás). “Foi um inverno pior do que a gente imaginava.”

“O consumidor final se comporta de acordo com a temperatura. Se ele passar aqui em um dia que estiver bastante frio, vai comprar. Senão, vai querer mercadoria de calor. Com o inverno fraco, comprou menos”, afirma Yunes. “Isso impacta também o atacado, já que quem fabrica espera o revendedor. Quem revende espera o consumidor final, que não veio.”

Outras franquias impactadas pelo calor fora de época foram a rede de brechó infantil Joaninha, que vendeu 30% a menos nesse inverno ante 2022, e a Baby Enxoval, que registrou queda de 20%.

Ponto fora da curva, a C&A apostou em peças versáteis para não sofrer os impactos da estação mais fraca. Conseguiu um resultado positivo de 1,7% nas vendas do segundo trimestre.

“Na coleção primavera-verão desse ano, devemos ter o oposto. A previsão do tempo está indicando que nós teremos um verão bem forte”, diz Pimentel, da Abit. “Esse inverno não vai deixar saudade.”

VINÍCIUS BARBOZA / Folhapress

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