BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-procurador-geral da República Augusto Aras atuou para arquivar investigações de líderes do centrão, integrantes do TCU (Tribunal de Contas da União) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e até um inquérito contra o ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Responsável por tecer elogios ao agora ex-PGR, Toffoli sugeriu que o “silêncio” de Aras durante sua gestão salvou o país em um momento que esteve “bem próximo” da ruptura institucional. A afirmação foi feita em um discurso na segunda-feira (25), no último dia de mandato do procurador à frente do Ministério Público Federal.
O ministro não citou os motivos dessa ameaça de ruptura, quando isso ocorreu e quem estaria por trás dela –os momentos de tensão entre os Poderes ocorreram no governo Jair Bolsonaro (PL). Disse apenas que isso será contado “mais à frente da história” e afirmou que, sem Aras, “talvez nós não estivéssemos aqui” e “não teríamos, talvez, democracia”.
A atuação de Aras benéfica a políticos e integrantes do Judiciário está registrada em diversos processos que tramitaram no STF e no STJ.
Algumas dessas manifestações foram assinadas pelo próprio Aras e outras pela subprocuradora Lindôra Araújo, braço direito do ex-PGR nos casos criminais.
Um caso emblemático é o derivado da delação do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
Uma dobradinha de Aras e Toffoli fez com que os inquéritos com base na delação fossem arquivados mesmo depois de uma ordem do ministro Edson Fachin, também do STF, para o início das apurações.
A delação em um primeiro momento citava ministros do TCU, como o atual presidente Bruno Dantas, e do STJ, como Humberto Martins. Todos negam as acusações de Cabral.
A delação foi homologada em fevereiro de 2020 por Fachin, que autorizou a abertura de diferentes inquéritos e encaminhou para o então presidente do STF, Dias Toffoli, com pedido de distribuição.
O ministro do STF desconsiderou a decisão de Fachin pela abertura dos casos, pediu manifestação de Augusto Aras, que foi contra o prosseguimento, e arquivou as investigações –três delas durante o recesso de julho e as outras pouco antes de ele deixar a presidência da corte, em setembro de 2020.
Meses depois, novos depoimentos de Cabral citaram o próprio Toffoli em supostas tramas de venda de sentença do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A PF então pediu novos inquéritos, um deles contra o ministro do STF. Em maio de 2021, após a Folha de S.Paulo revelar o pedido de investigação, Aras enviou ao Supremo um ofício em que reforçou sua posição contrária às investigações e ao acordo de Cabral.
Com base nessa manifestação, Fachin proibiu a PF de investigar Toffoli e, posteriormente, o plenário do STF anulou o acordo do ex-governador.
O ministro disse à época não ter conhecimento dos fatos mencionados e que jamais recebeu os supostos valores ilegais.
Quem também foi beneficiado pela ação de Aras foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais apoiadores da recondução do procurador ao comando do MPF por Lula (PT).
Em uma situação inédita até então, a PGR de Aras “desdenunciou” Lira em um caso sobre suposto pagamento de R$ 1,6 milhão feito ao parlamentar pela empreiteira Queiroz Galvão.
Após ter oferecido a denúncia em junho de 2020, a PGR recuou três meses depois e pediu para o caso ser arquivado. O pedido foi aceito pelo STF e o caso, encerrado.
A PGR sob Aras também mudou de posição no caso de um ex-assessor de Lira que tinha sido flagrado no aeroporto de Congonhas transportando R$ 106 mil em dinheiro vivo, em 2012.
Em 2019, a Primeira Turma do STF aceitou abrir ação penal contra Lira nesse caso sob acusação de corrupção. Em 2020, o ministro Dias Toffoli, porém, pediu mais tempo para análise, o que impediu por dois anos que o caso continuasse tramitando.
Já em 2023 a PGR decidiu rever novamente o próprio posicionamento e solicitou que o Supremo rejeitasse a denúncia apresentada pelo órgão em 2018.
Aras voltou a livrar Lira de uma investigação neste ano. O deputado entrou na mira da PF após a Folha de S.Paulo revelar suspeitas de desvios em contratos de kit robótica.
A investigação aberta pela PF avançou e durante buscas relacionadas a um assessor de Lira foram encontradas anotações de pagamentos ao parlamentar e de contas pessoais.
Logo após a operação, em maio, Lindôra Araújo se manifestou contra a investigação e pediu sua anulação. Em seguida, o caso foi barrado pelo ministro Gilmar Mendes, o que evitou o prosseguimento da apuração contra o presidente da Câmara.
Lira sempre negou as irregularidades indicadas e defendeu os arquivamentos dos casos.
A PGR sob Aras também livrou outro líder do centrão de investigações.
Em maio de 2022, Lindôra Araújo pediu à ministra Rosa Weber, do STF, o arquivamento do inquérito aberto para apurar a suspeita de que Ciro Nogueira, presidente do PP, recebeu propina do grupo JBS em 2014.
“Forcoso reconhecer que a apuracao nao reuniu suporte probatorio minimo (justa causa em sentido estrito) que ampare o oferecimento de denuncia em desfavor do parlamentar”, afirmou.
A manifestação foi no sentido contrário da investigação da PF. Segundo os investigadores, Ciro Nogueira recebeu propina dos irmãos Batista e cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na ocasião, a defesa do então ministro negou quaisquer irregularidades.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, defensor de Ciro Nogueira, destacou a “importante e fundamentada manifestação” da PGR à época.
“A digna PGR foi enfática ao afirmar que ‘forçoso reconhecer que a apuração não reuniu suporte probatório mínimo (justa causa em sentido estrito) que ampare o oferecimento da denúncia em desfavor do parlamentar'”, disse Kakay.
FABIO SERAPIÃO / Folhapress