RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Jane Nelsen, autora e coautora de 18 livros sobre desenvolvimento infantil, projetou no mundo a teoria da disciplina positiva, que incentiva uma educação parental respeitosa e sem punição. Lançada em 1981 e cada vez mais atual no ambiente pedagógico, a proposta toma como base o envolvimento dos filhos nas decisões das regras da família e também a firmeza dos pais na hora de fazer cumprir o combinado.
O best-seller “Disciplina Positiva” sobre autodisciplina, responsabilidade e cooperação como habilidades a serem desenvolvidas nas crianças repercutiu tanto que hoje está disponível em mais de 70 países e conta com versões para adolescentes e gerenciamento de salas de aula, além de cursos e ferramentas pedagógicas.
A autora conversou com a reportagem por email e discutiu a necessidade da popularização do conhecimento acadêmico para pôr um ponto final no uso de violência para educar. Mãe de sete e avó de 22, Nelsen reforçou ainda que os adultos também precisam assumir sozinhos algumas decisões, como o limite do uso de telas, para guiar a criança e o adolescente por uma vida emocional saudável.
PERGUNTA – No livro ‘Disciplina positiva’, você traz saídas criativas para uma parentalidade e um ensino mais pacíficos. São conceitos clássicos ou ideias que devem ser adaptadas para cada cultura e geração?
JANE NELSEN – “Disciplina Positiva” é baseado na filosofia e conceitos de Alfred Adler e Rudolf Dreikurs e pode ser adaptada a todas as culturas e gerações. Na disciplina positiva não defendemos punição ou permissividade. Em vez disso, provemos “ferramentas” que são encorajadoras para crianças, pais e professores.
Eu resumi a filosofia da disciplina positiva no que chamo de cinco critérios para disciplina positiva: 1) convidar todos a sentirem uma sensação de conexão (pertencimento e significado); 2) ser gentil e firme e ao mesmo tempo (respeitoso e encorajador); 3) ser eficaz para o longo prazo; 4) estimular valores sociais e habilidades para vida e 5) levar as pessoas à descoberta de quanto eles são capazes e de como podem usar seu poder pessoal de forma construtiva.
Muitos pais e professores têm descoberto o que eu descobri e agora dizem: “Eu gosto muito mais de ser pai” ou “eu estava pronto para parar de lecionar e agora estou amando de novo.” Também constatamos que a disciplina positiva é eficaz para negócios, casamentos, treinadores e terapeutas.
Hoje somos cercados por tecnologias incríveis que fazem a vida mais fácil e divertida. Usar essas ferramentas tornou-se essencial na nossa sociedade, especialmente para esta nova geração. Ao mesmo tempo, as crianças estão menos focadas e mais impacientes. Como devemos lidar com essa dualidade?
J. N. – Uma das ferramentas da disciplina positiva é “decida o que você vai fazer”. Ensino que, na maioria das vezes, esta é uma das que menos deve ser usada, porque é sempre melhor ter a criança envolvida na solução.
No entanto, quando se trata de telas, os responsáveis decidirem o que será feito é extremamente importante. Os filhos devem ser envolvidos na criação de diretrizes para o uso dos dispositivos, mas, ao final, os pais devem insistir em passar o máximo de tempo possível sem tela. Por exemplo: 1) nada de telas nos quartos (tenha uma cesta de celulares na cozinha e os deixe lá); 2) nada de telas durante as refeições (cesta de celulares também) e 3) tenha planos para tempo livre de tela (outra atividade externa ou interna). O “decidir o que você fará” inclui a parte de confiscar telefones de crianças que não seguem as diretrizes.
Que tensões entre velhas e novas formas de pensar ainda estão vivas em nossos modos de entender a educação?
J. N. – Existem hoje tantas pesquisas em ciência do cérebro e desenvolvimento infantil, nas principais universidades, que provam que punições e recompensas não são eficazes para alcançar os resultados positivos que desejamos para as crianças. O problema é que a maior parte dessas pesquisas é publicada em periódicos acadêmicos que não atingem a maioria dos pais e professores.
Escolher métodos positivos para lidar com crianças muda a história que estamos contando como sociedade (para melhor), mas ainda há pais que temem deixar ‘adultos moles’ para o futuro com isso. O que você costuma dizer a essas pessoas? Por que devemos investir em pessoas gentis e assertivas em um mundo ainda violento?
J. N. – Por “adultos moles” acho que você quer dizer “adultos permissivos”. A permissividade não é saudável para as crianças. As crianças criadas com permissividade desenvolvem a crença “amar significa fazer com que outras pessoas cuidem de mim e me deem o que eu quiser”. Crianças criadas dessa maneira não se sairão bem como adultos.
Gentil e firme às vezes significa: “eu te amo, e a resposta é não”. Pode significar validar os sentimentos da criança: “Sei que você está desapontado por não ter conseguido o que queria”; e então deixe a criança sentir o desapontamento. No processo, a criança aprenderá a resiliência: “Eu posso sobreviver aos altos e baixos da vida”. É por isso que ser gentil e firme ao mesmo tempo é tão importante. Firme nem sempre parece bom, mas sempre pode ser gentil.
Como a disciplina positiva pode ajudar a fugir de posturas rígidas ou permissivas?
J. N. – Temos muitas cartas na manga como ferramentas de disciplina positiva: para pais, professores, relacionamentos, local de trabalho, educadores infantis, treinadores de jovens e até mesmo para crianças. E, de todas as que ensinamos, as reuniões familiares e de classe (e de trabalho e de casais) são as mais valiosas porque fornecem tempo e espaço para as crianças aprenderem e praticarem as valiosas habilidades sociais que serão úteis para elas na vida. Eles se concentram em encontrar soluções que respeitem a todos.
Lidando com crianças de todas as idades e relacionamentos familiares, você já encontrou personalidades que desafiam os princípios da disciplina positiva? Quando pais e professores devem pedir ajuda profissional?
J. N. – Claro. Há momentos em que a ajuda profissional é necessária. Não vou tentar decidir quando isso deve acontecer. Vou compartilhar que vi coisas mágicas acontecerem quando as crianças (e pais e professores) aprendem as habilidades para reuniões familiares e de classe.
Quando era conselheira escolar e os professores pediam minha ajuda “profissional”, minha resposta usual era: “Coloque o desafio na agenda da reunião de classe e deixe as crianças descobrirem”. E tenho tantas histórias sobre mudanças positivas por meio deste processo. Em minha própria família, os desafios foram reduzidos em pelo menos 80% quando tínhamos reuniões familiares regulares.
“Disciplina Positiva” foi escrito como uma resposta aos seus próprios problemas de parentalidade?
J. N. – Sim. Eu não gostava de ser mãe porque tudo que conhecia era castigo, até eu não gostar mais de mim mesma. Ou “permissividade” que ia até eu não gostar de como meus filhos se tornaram exigentes.
Então assisti a uma aula em que aprendi sobre a filosofia de Adler e Dreikurs. Estava cética no início. Era como os outros que diziam: “Fui punida e acabei bem”. Ainda assim, tentei ser gentil e firme e ter reuniões familiares regulares e outras estratégias de encorajamento.
Adorei tanto que comecei a compartilhar o que estava aprendendo com outras pessoas –e muitas delas adoraram também. Então continuei estudando o tema para poder compartilhar o que aprendi como conselheira e, por fim, escrevi “Disciplina Positiva” para compartilhar as muitas ferramentas e histórias de sucesso. Depois disso, muitos me disseram que a ferramenta mudou a vida deles.
Você se preocupa que, em 2023, depois da pandemia de Covid-19 e um isolamento massivo, tenhamos perdido algo no desenvolvimento de nossas crianças? Como os pais, professores e escolas podem lidar com as consequências nas relações sociais depois de tantas perdas, incluindo luto?
J. N. – Como disse G. Michael Hopf: “Tempos difíceis criam homens fortes. Homens fortes criam bons momentos. Bons tempos criam homens fracos, e homens fracos criam tempos difíceis”. Estamos passando por momentos muito difíceis. Eu realmente acredito que temos a oportunidade de criar filhos fortes para lidar com os tempos difíceis para criar bons momentos.
Quais autores você mais gosta? Está lendo algo bom agora? Poderia compartilhar com nossos leitores?
J. N. – Estou lendo muitos autores espirituais, como Wayne Dyer, Deepak Chopra, Joe Dispenza e Marianne Williams.
Existe alguma outra questão, como mãe ou pesquisadora, sobre a qual você gostaria de escrever? Podemos esperar por algo em breve?
J. N. – Eu adoraria criar um programa para políticos. Não seria algo bom se todos fossem tratados com dignidade e respeito e se todos os políticos se concentrassem em soluções que pudessem funcionar para todos?
Que mensagem gostaria de enviar aos pais e professores brasileiros?
J. N. – Tenho muitos amigos brasileiros queridos, que adotaram e amaram a filosofia e as ferramentas da disciplina positiva. Também sou inspirada pelos muitos brasileiros que são instrutores certificados de disciplina positiva e estão ministrando aulas sobre ela. Todos nós podemos tornar o mundo um lugar melhor para nós e nossos filhos.
RAIO-X
Jane Nelsen
Autora do best-seller educacional “Disciplina Positiva” (1981), baseado na filosofia de Alfred Adler e Rudolph Dreikurs, a norte-americana Jane Nelsen é co-fundadora de uma rede mundial de programas de treinamento, a Associação Disciplina Positiva, presente em 70 países. Com sete filhos, 22 netos e 15 bisnetos que motivaram parte de sua pesquisa, tem um amplo trabalho acadêmico e diversos sucessos editoriais voltados para melhoria da relação de pais e professores com crianças e adolescentes, de casais e em ambientes corporativos.
DANIELLE CASTRO / Folhapress