BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – “É melhor comprar logo, antes das eleições”, diz o marceneiro Francisco Díaz, 45, ao cliente pelo telefone. Como bom argentino, ele já sabe que em três semanas os preços dos materiais para fazer um armário, assim como vários outros, devem disparar logo depois que os resultados do primeiro turno forem divulgados.
É esse o clima na nação vizinha, que vê a disputa presidencial caminhar para uma polarização entre o deputado ultraliberal Javier Milei e o ministro da Economia peronista, Sergio Massa. A candidata da oposição macrista, Patricia Bullrich, parece ter desidratado desde as primárias, quando o eleitorado se dividiu entre as três forças políticas, mas ainda tem chances.
Os adversários se enfrentarão neste domingo (1º) no primeiro debate presidencial antes do pleito, em 22 de outubro. Discutirão economia, educação, direitos humanos e democracia sob a sombra do aumento da pobreza, que torna cada vez mais comuns cenas como pessoas dormindo no aeroporto ou buscando comida nos lixos de Buenos Aires, ainda que a capital tenha índices muito mais baixos que o país.
Nesta semana foi divulgado o número mais recente: 1,2 milhão de pobres a mais em apenas um ano. Isso quer dizer que quatro em cada dez argentinos não conseguem pagar as despesas básicas, sendo que um deles é considerado indigente e nem sequer pode bancar a alimentação. Entre as crianças de até 14 anos, a pobreza chega a 56%.
Num país em que o desemprego é baixo, o engrossamento dessa estatística se explica pela perda do valor dos salários ao longo dos meses. Baixar a pobreza, portanto, é essencialmente baixar a inflação, que atinge 124% anuais, um dos maiores valores do mundo, impulsionada pelo déficit insistente e a falta de dólares nos cofres públicos.
E nesse sentido os argentinos têm como opção três candidatos viáveis, mas apenas dois projetos de governo, diz Hernán Letcher, diretor do Centro de Economia Política Argentina (Cepa).
“A campanha se polariza porque Milei e Bullrich não têm tantas diferenças no sentido econômico nem político. Aqueles que temem as propostas mais radicais de Milei acabam votando em Massa. E os que querem uma mudança votam em Milei. Isso a coloca numa espécie de não-lugar”, afirma.
Os dois candidatos de direita propõem, em diferentes graus, uma dolarização da economia, a forte redução de gastos públicos e a abertura dos mercados, enquanto Massa aposta em investimentos nos setores energético, mineiro e agropecuário para inverter a balança comercial e obter mais dólares com exportações. Ele deve revelar no debate quem será seu ministro da Economia e presidente do Banco Central.
Até agora, Milei aparece na frente na maioria das pesquisas, rondando os 35%, na média do portal La Política Online. O peronista vem em segundo, perto dos 30%, e Bullrich em terceiro, com cerca de 25%. Nada está definido, porém, considerando que até 15% ainda estão indecisos e que os levantamentos também não captaram a ascensão de Milei nas primárias.
“A polarização ocorre porque tanto Milei quanto Massa dispõem de poderes que Bullrich não tem”, afirma Eduardo Fidanza, diretor da empresa de pesquisas Poliarquía. “O poder de Milei é de ter ganhado as primárias, estar impondo a agenda pública e ser o candidato do momento. E o de Massa é ter os recursos do Estado.”
De um lado, o ultraliberal tem reforçado seu discurso “anticasta” que em grande parte o fez triunfar. A lógica é: se o cidadão entrar na urna pensando que quer tirar o peronismo do poder, vai votar em Bullrich. Mas se for convencido de que é preciso tirar um establishment ou um “conjunto de ladrões que negociam entre si para prejudicar o cidadão de bem”, vai escolher Milei, explica um membro de sua equipe.
Do outro lado, na reta final, o ministro da Economia tem levado a cabo o que foi batizado pejorativamente de “plan platita”, algo como “plano da grana”, com uma série de medidas para aliviar o bolso do argentino que vão custar cerca de 1% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo estimativas privadas –a ser reposto com impostos e outras manobras.
Massa tem feito isso para compensar uma explosão do dólar e dos preços que corroeu ainda mais os salários da população logo após as primárias de agosto, quando ele desvalorizou fortemente o peso oficial por exigência do FMI para liberar empréstimos. A medida, somada ao clima de incerteza pela vitória de Milei, contribuiu para uma inflação altíssima de 12% naquele mês.
O ministro peronista então fez um acordo de congelamento de preços por 90 dias em supermercados, medicamentos e combustíveis; aumentou o salário mínimo, aposentadorias e benefícios sociais; e na quinta (28) conseguiu passar um projeto de lei no Legislativo que fará com que o imposto de renda só vá ser pago por menos de 1% da população.
Massa aposta ainda em formar um gabinete de coalizão com opositores e espalhar temor contra Milei. “O que Massa está fazendo, e acho que é correto, é um questionamento moral de Milei. Já Bullrich, mal aconselhada, se abstém em atacá-lo e ainda tem outro problema: se for mais à direita, perde os eleitores de centro, e se atenuar o discurso, perde seu eleitor mais duro”, diz Fidanza.
Isso explica, segundo ele, um movimento de vaivém da candidata tradicionalmente mais linha-dura. Numa semana apresentou um filósofo como líder de um grupo que cuidará do “aspecto humano” de sua gestão; na outra, prometeu criar uma prisão ilhada de segurança máxima à moda de Nayib Bukele, presidente de El Salvador.
Para o analista Letcher, porém, a polarização ainda não é tão forte a ponto de resultar numa vitória ainda no primeiro turno –na Argentina, é necessário ter 45% dos votos, ou 40% com diferença de 10 pontos. “Ainda que lhe custe em termos de discurso, Bullrich representa uma das maiores forças políticas do país, e isso vai pesar numa votação que também elege legisladores e governadores.”
JÚLIA BARBON / Folhapress