SÃO ROQUE, SP (FOLHAPRESS) – Na estrada do Vinho em São Roque, anúncios de condomínios residenciais sugerem que o mercado imobiliário colocou no radar a cidade a cerca de 60 km de São Paulo conhecida pelas vinícolas e plantações de alcachofras. O movimento pode ganhar força caso o município leve adiante uma mudança na lei que permite transformar grandes áreas rurais em loteamentos adequados para a construção de condomínios residenciais.
Moradores afirmam que a mudança ameaça nascentes e rios importantes para quem mora na cidade e no entorno, o que inclui parte da região metropolitana de São Paulo. Também afetaria, afirmam, a paisagem e a produção agrícola que atrai milhares de visitantes e faz a economia local girar.
Apresentada em fevereiro pela gestão do prefeito Guto Issa (Podemos), a proposta de revisão do Plano Diretor de São Roque prevê a conversão de 49 km² de zonas rurais em diferentes tipos de zonas urbanas. Com a mudança, o tamanho mínimo dos lotes seria reduzido de 20.000 m² para 360 m², na maior parte, ou para 500 m². A prefeitura afirma que o plano apenas oficializa a realidade do município, respeitando a legislação ambiental.
Plano Diretor é a lei que direciona o desenvolvimento de uma cidade. Em São Roque, essa legislação deve ser atualizada a cada dez anos, mas a revisão está atrasada. O plano vigente é de 2006.
Além da transformação de áreas rurais em urbanas, a proposta também estabelece que outros tipos de zoneamento poderão ter lotes menores. Chácaras instaladas sobre áreas de manancial podem ter terrenos reduzidos de 1.000 m² para 500 m².
“Muda quase toda a cidade”, diz a arquiteta Adriana Cruz, 43, presidente do Conselho da Cidade de São Roque.
A discussão que permite maior adensamento construtivo acontece no momento em que o mercado imobiliário do interior paulista está aquecido.
Sorocaba, cuja região metropolitana inclui São Roque, experimentou valorização anual de 13% no preço médio do metro quadrado, avaliado em R$ 8.046, segundo pesquisa da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) divulgada no início de setembro.
Perto da estrada do Vinho, onde já se pode lotear, a reportagem visitou um condomínio residencial em construção com casas de 150 m² e piscina coletiva. Cada unidade custa R$ 850 mil, cerca de R$ 5.700 por metro quadrado.
A atratividade imobiliária do interior é atribuída ao bom desempenho econômico de atividades ligadas ao agronegócio e aos preços dos imóveis, que ainda estão 40% abaixo dos praticados na capital, em média, segundo o presidente da Abrainc, Luiz França. Ele também cita o trabalho remoto, durante a pandemia, um fator que ampliou a busca por qualidade de vida e contato com a natureza.
São Roque é um dos 78 municípios que integram a Reserva da Biosfera Cinturão Verde de São Paulo, área de florestas com mais de 2 milhões de hectares no entorno da capital paulista. É considerada pela Unesco como essencial para a qualidade de vida dos cerca de 20 milhões de habitantes da metrópole.
“Essa reserva presta grandes serviços ecossistêmicos, como purificação e provisão de água, redução de ilhas de calor e oferta de recursos naturais”, diz o gestor ambiental e pesquisador do cinturão Danilo Sato.
Grande parte da urbanização prevista para São Roque está sobre a APA (Área de Proteção Ambiental) de Itupararanga, cuja represa de mesmo nome é a principal da região de Sorocaba.
A APA corresponde à bacia hidrográfica que atende municípios como de Alumínio, Ibiúna, Mairinque, Piedade e Votorantim, no interior, além de Cotia e Vargem Grande Paulista, na Grande São Paulo.
Há risco de que a expansão imobiliária amplie a necessidade de São Roque captar água do sistema São Lourenço, explica o geógrafo João Paulo Jeannine, 43, morador do município há 13 anos. “Em vez de preservar nossos rios, estamos buscando água em outra região”, diz.
Ampliado a partir da crise hídrica de 2014, o sistema São Lourenço da Sabesp atende a porção oeste da Grande São Paulo.
Falta de água não é apenas preocupação futura em São Roque. Pequenas propriedades rurais já sofrem com a falta do recurso, afirma Marília de Campos Orantas, 47, presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável.
“Cultivos como o da alcachofra precisam de água, da umidade proporcionada pela vegetação”, diz Orantas. “Além do turismo, há uma questão cultural que não pode ser jogada no lixo em nome deste dito progresso que enfia suas franquias de fast food goela abaixo.”
Em frente a um condomínio de alto padrão está o Quilombo Revolucionário do Carmo. No local, poços caipiras –perfurações rasas para chegar ao lençol freático– estão cada vez mais secos.
Sem eles, a comunidade terá dificuldade para manter o plantio de hortaliças orgânicas para consumo próprio e também vê ameaçado o plano de, no futuro, comercializar sua produção, conta Isaque da Cruz, 45, presidente do quilombo.
Pela proposta de revisão do Plano Diretor, a área do Quilombo será mantida como rural e, portanto, não será loteada. Mas o seu entorno terá zoneamento urbano.
“A partir do momento que esses condomínios chegarem, por possuírem mais recursos, farão poços artesianos e a água vai faltar para nós”, diz Cruz.
No início de setembro, a prefeitura retirou o projeto do Plano Diretor da Câmara para reavaliação de alguns pontos antes da votação. A gestão municipal era pressionada por decisão judicial provisória, motivada por ação popular, que suspendia a tramitação para averiguação de eventual falta de transparência no debate.
A Prefeitura de São Roque afirmou à reportagem que sua proposta respeita a legislação ambiental vigente e não compromete recursos hídricos do município. Em nota, disse estar oficializando a realidade do município, que já conta com lei de 2020 que permite lotes de 360 m². Afirmou ainda que áreas efetivamente rurais serão mantidas.
CLAYTON CASTELANI E DANILO VERPA / Folhapress