Informalidade atinge mais brasileiros a partir dos 60 e deve pressionar Previdência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “É uma vida inteira aqui”, resume Robson Pereira, ao recordar que trabalha como vendedor ambulante no centro do Rio de Janeiro há quatro décadas. Aos 60 anos, ele acorda todos os dias, por volta das 5 horas da manhã, e sai para buscar salgados para vender em uma barraca na avenida Presidente Vargas.

Em um dia de bom movimento, consegue vender 150 lanches, que ajudarão no sustento da família. Há cerca de um ano, vendia 250 por dia, mas alguns clientes fiéis fecharam seus escritórios.

“O centro está meio abandonado, com muitos assaltos, isso espanta a clientela. Tem gente que prefere pedir delivery a descer do prédio e comprar comigo”, diz Pereira.

“Tive carteira assinada até 2002 e sempre desejei ter meu próprio comércio. Já vivi momentos bons e ruins, mas o tempo foi passando e resolvi ficar. Hoje não tenho mais idade para procurar um emprego formal”, conta ele, que chegou a ser MEI (microempreendedor individual), precisou parar de contribuir e vê a aposentadoria como algo distante. “E, mesmo se conseguir, vou continuar trabalhando, não consigo parar.”

Pelos dados mais recentes, do segundo trimestre de 2023, 4,094 milhões de trabalhadores com 60 anos ou mais estavam na informalidade –o maior patamar para um segundo trimestre registrado nesta série da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, que começa no quarto trimestre de 2015.

Houve um aumento no número de informais mais velhos de 4,9% na comparação com o mesmo período do ano passado e de 36,6% na comparação com o início da pandemia, o segundo trimestre de 2020, quando o total de pessoas nessa situação era de 3 milhões.

Nesse grupo, estão tanto os trabalhadores que já foram formais um dia e caíram na informalidade, aqueles que nunca tiveram carteira assinada e também os que se aposentaram e voltaram ao mercado como informais, para complementar a renda.

Pelos critérios da Pnad, os informais englobam os trabalhadores do setor privado e domésticos sem carteira assinada, empregadores e quem trabalha por conta própria sem CNPJ, além de trabalhadores e familiares auxiliares.

Os dados apontam que o contingente de informais idosos cresceu mesmo com a redução do total de informais, que caíram de 39,3 milhões para 38,7 milhões, na comparação entre o segundo trimestre de 2022 e o de 2023.

Entre as faixas pesquisadas pela Pnad, a dos trabalhadores de 40 a 59 anos também teve um aumento no número de informais no mesmo período, passando de 14,669 milhões no segundo trimestre de 2022 para 14,798 milhões neste ano.

Para Bruno Ottoni, pesquisador da FGV (Fundação Getulio Vargas) Projetos, esse é um movimento que vai assolar a sociedade brasileira nos próximos anos, também pelas mudanças recentes na Previdência que adiaram a aposentadoria.

“Com uma população que envelhece e com mais tempo para se aposentar, a gente vai ter de lidar cada vez mais com idosos no mercado de trabalho e é preciso que isso não seja transformado em uma crise que leve a um exército de idosos sem renda”, diz Ottoni.

Os 4,094 milhões também representam o maior patamar de toda a série, não apenas para o segundo trimestre –embora comparações entre trimestres diferentes não sejam recomendadas, pela sazonalidade do mercado de trabalho, o que pode gerar distorções.

A taxa de informalidade para quem 60 anos ou mais ficou praticamente estável no período: 54,4% de abril a junho deste ano e 55,4% no mesmo período de 2022. No trimestre, houve um aumento de 412 mil no número de trabalhadores dessa faixa etária na força de trabalho.

O aumento, em número, de informais de mais idade parece marcar uma virada no mercado de trabalho do país fruto da transição demográfica, avaliam os especialistas.

O Censo apontou que o ritmo de crescimento populacional, calculado em 0,52% ao ano de 2010 para 2022, desacelerou antes do que indicavam as projeções do próprio IBGE.

“Carteira de trabalho é para gente jovem. Quem vai contratar uma mulher com quase 70 anos?”, pergunta Luíza Ferreira, enquanto oferece flores na entrada de uma estação de metrô na região central de São Paulo, e observa o movimento sentada em um banco.

Em um dia frio como a quinta-feira (28), a viagem da zona leste até ali se torna ainda mais difícil, conta, enquanto recorda que o período de maior incerteza ocorreu na pandemia, quando ela precisou recorrer a doações de cestas básicas.

“Não consigo parar de trabalhar hoje, o dinheiro não dá. Aposentadoria, para mim, rima com sonho”, diz Ferreira.

Maiores taxas de informalidade para 60+, por estado, no segundo trimestre de 2023:

Rondônia: 70,9%

Acre: 68,8%

Amazonas: 67,5%

Roraima: 65,5%

Pará: 64,6%

Amapá: 63,6%

Tocantins: 62,5%

Maranhão: 62%

Piauí: 61,9%

Ceará: 59,6%

“Um ponto positivo é que tem ocorrido uma melhora da qualidade dos vínculos trabalhistas nos últimos meses, sobretudo em mercados mais dinâmicos, como São Paulo”, explica Alexandre Loloian, economista da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados).

O especialista em mercado de trabalho Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV), lembra que o ciclo habitual é de pessoas que entram no mercado de trabalho de maneira formal, mas, quando a idade aumenta, o retorno dela a uma vaga formal vai ficando mais difícil.

“A contratação é um investimento na formação do trabalhador. Um ex-aposentado, por exemplo, além de ter idade avançada, tem um indicador ruim de baixa perspectiva de permanecer no cargo. Há também situações em que o trabalho que aquela pessoa sabia fazer não existe mais e ela fica sem alternativas além da informalidade.”

“Há mais ou menos quatro anos faço esse trabalho, chego a carregar 300 quilos de material e só não trabalho aos domingos”, diz Raimundo Barros, 67, enquanto se desvia dos carros da avenida Brigadeiro Luís Antônio, no centro de São Paulo.

Puxando um carrinho com papelão por quase dois quilômetros, vai até um posto de compra de reciclados na Bela Vista.

Ao longo do caminho, ele foi fotografado por dois universitários. “Como ele consegue?”, pergunta um deles. “Eu preciso, não sou aposentado, nem posso pensar em parar”, conta Barros.

Para uma parcela dos informais idosos, a alternativa é recorrer ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), lembra Barbosa Filho. O benefício paga um salário mínimo a idosos de baixa renda que não contribuíram com a Previdência e para pessoas com deficiência, mas sem pensão por morte ou 13º.

Outra alternativa é a formalização via MEI, que foi pensada para diminuir a informalidade e incluir trabalhadores de menor renda na Previdência Social.

Reportagem da Folha de S.Paulo publicada no início deste ano, no entanto, apontava que menos da metade (43,6%) dos inscritos no MEI têm renda do trabalho de até dois salários mínimos, enquanto 56,4% ganham acima disso.

A sustentabilidade das aposentadorias via MEI também preocupa. Um cálculo dos pesquisadores Rogério Nagamine Costanzi e Otávio Guerci Sidone apontava um desequilíbrio previdenciário.

Considerada a contribuição aferida em 2014 e a estimativa de despesa futura com aposentadorias por idade, o MEI geraria até 2060 um déficit acumulado de R$ 464,7 bilhões, considerando valores constantes para o salário mínimo.

“O aumento da informalidade entre os mais velhos, sem dúvida, vai pressionar a Previdência. Com menos gente contribuindo e mais pessoas recebendo pensão e aposentadoria, acaba pressionando as contas e colocando o governo em dificuldades”, diz Ottoni, que não descarta a necessidade de uma nova reforma previdenciária nos próximos anos.

“O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recentemente falou que em breve terá de fazer uma nova reforma de Previdência, justamente pela dinâmica populacional, de envelhecermos e rápido, é muito rápido que a gente tenha de fazer as contas. Para que não seja tão draconiano, é importante trabalhar na frente de aumentar a arrecadação para ter mais trabalhadores contribuindo.”

Reduzir os efeitos da informalidade sobre os mais velhos exigiria requalificação, apontam os economistas.

“É importante analisar experiências que deram certo em países que ficaram mais velhos antes do Brasil. No Japão, muitos idosos foram atuar no comércio e no setor de serviços. Pode ser um caminho.”

DOUGLAS GAVRAS / Folhapress

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