SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um soco no ar. Outro que passa raspando a orelha. Por fim, um golpe sem jeito que atinge o oponente em cheio e o faz cair no chão. A luta acontece na rua, em campos de terra batida e diante de espectadores eufóricos. Os combates clandestinos estão inundando as mídias sociais sob o título “briga de rua”.
Uma das lutas mais populares, com dezenas de vídeos publicados em plataformas de vídeos curtos, recebe o nome de “UFC Sucupira”. As brigas ocorrem em uma área descampada na periferia do bairro de mesmo nome do município de Arcoverde, em Pernambuco.
O evento na cidade de 77,6 mil habitantes ganhou tamanha proporção que entrou na mira da prefeitura, do Conselho Tutelar, do Ministério Público e das polícias Civil e Militar. A suspeita é que as brigas tenham a participação de adolescentes e que envolvam apostas.
A fiscalização das lutas teve início após o secretário de Esportes, Thiago Santana, ter visto uma delas.
“A gente tomou conhecimento através das redes sociais. Eu mesmo procurei o Conselho Tutelar para que fizessem diligências e investigassem junto com a polícia. Essa é uma prática abominável, porque a gente incentiva o esporte, mas que seja praticado de forma segura, com profissionais, com todo aparato resguardando pela vida das pessoas. Aquilo lá não segue nenhum princípio desportivo”, afirma o secretário da gestão José Wellington Cordeiro Maciel (MDB).
A reportagem teve acesso a um documento do Conselho Tutelar endereçado ao promotor Michel Campelo, representante do Ministério Público na cidade, em 14 de julho. O texto cita a possível participação de adolescentes nas brigas em vias públicas. Ainda conforme o ofício, os encontros ocorrem aos finais de semana próximo ao posto do Serrano e no campo de futebol da barragem no São Cristóvão.
Procurado, o órgão declarou que a 2ª Promotoria de Justiça de Arcoverde, após recebimento de denúncias, emitiu recomendação à Polícia Militar para que fossem realizadas rondas nos locais indicados.
Em nota, a Polícia Civil disse ter conhecimento do caso e que as investigações estão em andamento.
Aos domingos, a plateia da luta de rua recebe uma visita ilustre. Um vereador da oposição, o médico Rodrigo Roa (Avante), defende que o evento seja regularizado, com a presença de profissionais de saúde e respaldo municipal.
Roa relatou que tomou conhecimento da luta em seu trabalho de fiscalizar as necessidades da periferia. “Verifiquei que não havia fiscalização, bem como nenhum tipo de apoio da prefeitura, que não dá nenhuma assistência.”
“Sabemos os riscos que um esporte com alto contato físico pode ocasionar. Traumas que poderiam colocar a integridade física das pessoas em risco. O exercício precário do esporte se dá muitas vezes em razão da falta de poder econômico da população, que não pode pagar uma academia. O fator econômico não pode ser um empecilho para o exercício desse esporte”, acrescenta.
Roa chegou inclusive a colocar as luvas dos lutadores e posar para fotos na arena improvisada como ringue. “Já vi óbito em lutas, não podemos permitir que o clandestino continue, luto pela presença do estado e o reconhecimento como esporte organizado, sendo assistido pela secretaria de Esportes”, completa o vereador.
O neurologista e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Mário L. Mélo explica que os participantes das brigas podem vir a ter problemas de saúde no futuro.
“A gente pode dividir em dois momentos: primeiro, impactos de golpes da cabeça podem gerar tonturas, pensamento lentificado, perda de consciência, que é a concussão. E também pode haver traumas mais importantes, como fraturas dos ossos do crânio e lesões cerebrais, como contusão cerebral, hematoma extradural, lesão do globo ocular.”
“Mesmo que inicialmente as pessoas não sintam qualquer sintoma, no médio e longo prazos de práticas como essa ocorre uma disfunção cerebral devido aos vários microtraumatismos que vão se somando ao longo do tempo”, afirma o médico. Ele afirma ainda que lutadores têm uma chance maior de desenvolver quadros demenciais conhecidos como encefalopatia traumática crônica ou demência do pugilista.
Quem também cobra medidas contra as cenas abertas de luta de rua são os funcionários do Cref-PE (Conselho Regional de Educação Física de Pernambuco).
“Infelizmente, no Brasil inteiro há isso. O Cref e diversas outras entidades sabem, mas no caso do conselho não temos poder sobre isso. Talvez a polícia, o Ministério Público e Poder Executivo possam reprimir esses eventos”, disse o presidente da entidade, Lúcio Beltrão.
“Defendemos o exercício físico orientado por profissionais de educação física. É preciso estimular hábitos saudáveis e a prática de esportes, mas sempre com segurança.”
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress