Conciliar economia e pauta climática exige abertura para ideias heterodoxas, diz ex-diretor da OMC

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O francês Pascal Lamy, 76, tem três explicações para conseguir encaixar tantas tarefas em um dia que, assim como para todos os outros, tem 24 horas.

“Faço exercícios todos os dias e sou muito organizado. Sem isso, não daria certo. Mas também tenho muita vontade de aprender. Estou sempre aberto a ideias novas”, diz ele.

Isso vale mesmo para ideais que soem estranhas.

Neste final de setembro, o político, empresário e consultor se prepara para congresso do Paris Peace Forum, entidade que comanda, criada pelo presidente francês Emmanuel Macron. O ideal da iniciativa é encontrar soluções para problemas de governança e enfrentar problemas globais.

Uma das respostas que ele mais busca é como conciliar a questão econômica com a necessidade de reduzir as emissões de carbono. Relatório do Climate Overshoot Comission, órgão o qual também é presidente, divulgado no mês passado, deixa em aberto soluções heterodoxas para frear o aquecimento do planeta.

Uma delas é injetar poluição na estratosfera. Dióxido de enxofre poderia, se colocado em grandes quantidades e segundo a teoria, ajudar a reduzir o impacto dos raios do sol e reduzir a temperatura.

“Acreditamos que essa caixa tem de estar aberta. Sabemos ser necessária muita, muita pesquisa porque é perigoso, arriscado. Mas temos uma comissão com pessoas vindas de todos os continentes, de diferentes idades e experiências. E elas consideram que não devemos deixar nada fechado”, afirma Lamy.

Há um método na loucura: estar aberto a trazer todos à mesa para discutir o assunto. Especialmente setores econômicos vistos como mais resistentes à meta do Acordo de Paris, de zerar as emissões de carbono até 2050. Ele cita as indústrias agrícola e automobilística como exemplos.

As críticas não tardaram e uma delas era que “abrir a caixa” significava oferecer passe livre para emissores de carbono manterem o ritmo poluidor. Lamy reconhece que a desconfiança é procedente.

“Cortar emissões é a prioridade. O caminho para isso é diminuir a produção de combustíveis fósseis. Não há dúvidas disso. Mas achamos que todas as alternativas podem ser pensadas mediante pesquisa e temos de considerá-las. É um jeito de ampliar o debate”, completa.

Trazer todos para a discussão foi o que fez durante boa parte de sua vida pública, iniciada como assessor do ministro das Finanças da França, Jacques Delors, no início da década de 1980.

Lamy foi diretor geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) entre 2005 e 2013. Antes disso foi comissário da União Europeia para o Comércio (1999-2004).

Integrante do Partido Socialista francês desde a juventude, entra em negociações com a visão não apenas de economista, mas também de político. Negociou acordos comerciais naquele que considera o período de ouro da globaização, entre 1990 e 2010.

Isso acabou, diz ele. E é perigoso.

“Algumas forças políticas trabalham pela integração, mas muitas pela fragmentação. Entre 1990 e 2010, a geoeconomia era mais forte que a geopolítica e agora temos um balanço diferente. Não estou dizendo que os políticos são sempre vencedores, mas há uma clara mudança de patamar. A paisagem global foi alterada e deve permanecer assim por algum tempo. O populismo está em ascensão e populistas tendem a ser nacionalistas e xenófobos”, analisa.

O perigo seria pelo crescimento desse populismo e por conflitos recentes. O exemplo que mais afeta os europeus é a guerra entre Rússia e Ucrânia. Lamy vê o conflito como maior caso atual da preponderância do pensamento político sobre o econômico.

“Não vou longe o suficiente para dizer que isso é um novo mundo e que a política dominou a economia. Mas quando a política se sobrepõe à economia, existe a guerra. A história da Primeira Guerra Mundial foi essa.”

Não muito seguro com seu domínio da língua inglesa, Pascal Lamy fala devagar. Escolhe as palavras. Fica mais à vontade quando comenta sobre problemas globais que terão de ser enfrentados. O principal deles, no campo econômico, para o consultor, é a disputa entre Estados Unidos e China. Ele afirma que os dois gigantes do comércio não precisam ser aliados, mas têm de achar um ponto de convívio.

Parece uma tarefa bem complicada, reconhece. Mas para quem está aberto a pesquisas para injetar poluição na atmosfera para esfriar o planeta…

Na dicotomia entre economia e mudanças climáticas, a China, para Lamy, é o elefante na loja de cristais. Nenhum esforço será o suficiente se o país asiático não estiver empenhado.

O francês admite que isso é parte da reclamação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que o custo econômico pela queda nas emissões de carbono devem vir dos países ricos, não dos que são considerados “em desenvolvimento”. Acha a reivindicação justa porque quem mais poluiu, tem de pagar.

Assim como o político brasileiro, o ex-diretor da OMC considera ser uma questão de justiça histórica.

“Esse princípio de pagar pelas perdas é reconhecido. A minha visão é que há uma obrigação moral dos países ricos de pagar. São eles os responsáveis pelo carbono liberado na atmosfera. Há diferentes maneiras de fazer isso e deve ser negociado. Se a União Europeia tem a preocupação com os bens importados e se vêm de países que reduzem emissão de carbono, precisa ajudar essas nações. Mas precisamos lembrar que a China emite mais do que a União Europeia.”

No caso da Europa, o plano do bloco para zerar as emissões de carbono envolve o relacionamento comercial com outros países em desenvolvimento, o que os obriga a se adaptarem às regras do bloco. Críticos chamaram o “green deal” (acordo verde, em inglês) de “imperialismo regulatório”.

Documento do Instituto de Desenvolvimento da Alemanha reconhece que cria “incertezas para países parceiros sobre como se adaptar às novas regras, regulamentos e padrões da União Europeia.”

“A realidade é que a União Europeia quer ser líder nessa transformação. A minha percepção é que isso vai atrapalhar o comércio com os países em desenvolvimento. Para que dê certo, terá de colocar mais dinheiro na mesa.”

É uma questão simples, para ele. A mudança climática representa a maior questão econômica do nosso tempo.

“Há pessoas que falam em adaptação. Não é isso. É uma transformação. Vamos ter de aprender uma nova forma de produção”, finaliza Pascal Lamy.

ALEX SABINO / Folhapress

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