SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os efeitos das mudanças climáticas e a degradação de habitat por ação humana estão entre as principais causas que têm levado cerca de 41% das espécies de anfíbios conhecidas no mundo à extinção.
Entre os anos de 2004 e 2022, período do estudo, houve pouca mudança nos fatores que contribuem para as ameaças aos anfíbios globalmente: as mudanças climáticas são a principal causa para 39% das espécies avaliadas até o momento, e é esperado que esse número aumente, uma vez que os efeitos a longo prazo da crise do clima na maioria dos animais ainda é desconhecido.
A degradação do habitat é a principal ameaça para 93% das espécies já consideradas criticamente em perigo. Doenças e outros impactos associados a humanos, como poluição, também figuram entre as principais causas de ameaça à extinção.
No caso do Brasil, um país que concentra a maior biodiversidade de anfíbios do mundo (1.200 das pouco mais de 8.600 espécies descritas), esses impactos vêm principalmente da devastação de áreas preservadas para a agropecuária e da fragmentação de florestas.
Estes foram os achados de um estudo global com mais de cem pesquisadores, liderado pela associação Re:wild, baseada em Austin (Texas), e com participantes da coordenação da Lista Vermelha de Ameaça à Extinção da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza, na sigla em inglês). O artigo foi publicado nesta quarta-feira (4) na revista científica Nature, a mais prestigiosa do mundo.
A avaliação é a segunda feita para esse grupo de animais, sendo que a primeira, em 2004, já apontava ameaças globais à conservação dos anfíbios. “Os anfíbios são considerados o segundo grupo animal, e o primeiro de vertebrados, quando falamos de risco de ameaça”, explica Jennifer Luedtke, líder do estudo e gerente de estudos da Re:wild.
De acordo com os dados da IUCN, 40,7% (2.873 espécies de 8.011 avaliadas) de anfíbios possuem algum grau de ameaça. Na fase anterior, com dados até 2004, 39,4% (2.788) das espécies de anfíbios avaliadas tinham algum grau de ameaça, número que já era superior ao encontrado em 1980, quando foi feita a primeira lista, de 37,9% (2.681).
“Nosso estudo mostra que não podemos continuar subestimando essa ameaça. Proteger e restaurar florestas é fundamental não apenas para salvaguardar a biodiversidade, mas também para combater as mudanças climáticas”, disse Luedtke.
Dentre os vertebrados, as raias e tubarões ocupam a segunda posição entre os mais ameaçados (37,4%), seguidos de mamíferos (26,5%), répteis (21,4%) e aves (12,9%).
Houve, também, uma incorporação de 2.286 espécies na nova lista, um esforço considerável de mais de mil especialistas que contribuíram com o levantamento. Isso também reduziu a proporção de espécies classificadas como dados insuficientes (quando não há informações suficientes para saber se a espécie possui risco de extinção), de 22,5%, em 2004, para 11,3%, em 2022.
No caso da diversidade conhecida para o Brasil, há uma notável contribuição de dezenas de pesquisadores espalhados por todo o país. “O Brasil é o país com a maior diversidade mundial em anfíbios, mas quase um terço não havia sido avaliada globalmente”, afirma Iberê Machado, presidente do Instituto Boitatá, e coordenador da avaliação de anfíbios ligada à IUCN no país.
De acordo com ele, a nova avaliação revelou o aumento preocupante do número de espécies ameaçadas, passando de 37, em 2004, com algum grau de ameaça para 189, em 2022. Houve, ainda, 26 espécies avaliadas classificadas como possivelmente extintas, uma vez que não foram avistadas em áreas naturais desde a década de 1980.
Por outro lado, ações de conservação tiveram sucesso em melhorar a classificação de pelo menos nove espécies no território nacional, como a perereca-de-Alcatrazes (Ololygon alcatraz) e a rã-das-pedras-de-Alcatrazes (Cycloramphus faustoi), ambas endêmicas da ilha de Alcatrazes, no litoral paulista.
Além da fragmentação de habitat, a epidemia global de fungos do gênero Batrachochytrium, conhecido por provocar inflamações na pele dos anfíbios (quitridiomicose) e, assim, causar danos ao seu sistema respiratório e circulatório os anfíbios usam a pele para trocas de ar com a atmosfera têm provocado declínios populacionais em diversos países do mundo, especialmente Estados Unidos, Austrália e países da América Latina.
Um dos grupos particularmente vulneráveis à infecção fúngica são as salamandras, os anfíbios com cauda e quatro patas que vivem em regiões da Ásia, Europa e EUA (há um único gênero no Brasil com três espécies, Bolitoglossa caldwellae, B. madeira e B. tapajonica). Os pesquisadores do levantamento mostraram preocupação quanto à invasão de uma espécie do fungo, Batrachochytrium salamandrivorans, no continente americano.
Cerca de três em cada cinco espécies de salamandras estão ameaçadas de extinção, principalmente causada por devastação de habitat e mudança climática. Mas o fungo também é um dos fatores que têm levado a esse aumento no declínio populacional, já que um dos mecanismos pelos quais as mudanças climáticas afetam esse grupo é pelo aumento da temperatura na floresta, facilitando a disseminação do fungo.
“Os anfíbios sofrem com a devastação do habitat, mas nós também precisamos entender que precisamos deles, seja para a descoberta de novos compostos médicos, ou por serem predadores que ajudam a controlar a população de insetos”, explica Kelsey Neam, coordenadora de dados de espécies no Re:wild e uma das principais autoras do estudo.
“E, embora nosso estudo tenha focado na avaliação de como a mudança climática ameaça os anfíbios, o contrário também é verdadeiro; a preservação e restauração das populações de anfíbios é uma das soluções para a crise global do clima, uma vez que eles têm um papel-chave na saúde dos ecossistemas”, completa.
ANA BOTTALLO / Folhapress