CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Mãe solo de uma filha de 3 anos, a produtora Ana (nome fictício), 42, que prefere não se identificar, descobriu que ganha metade do salário que seu colega homem na mesma função.
“Não faz sentido. Fiquei muito mal, mas não posso pedir demissão, pois dependo do emprego”, diz ela, que integra as estatísticas da desigualdade de gênero no mercado de trabalho no país.
No Brasil, a remuneração média dos homens, no segundo quadrimestre de 2023, foi 25,3% maior do que a das mulheres. Além de ocuparem a maioria dos cargos de gerência (60%), eles registraram a menor taxa de desemprego no mesmo período, 6,9%. A das mulheres foi de 9,6%.
Os dados fazem parte da pesquisa de Janaína Feijó, doutora em economia e docente da FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). “A cada dez mulheres em idade para trabalhar, apenas cinco participam do mercado de trabalho. Já entre os homens, sete a cada dez estão empregados”, diz.
O estudo, com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra que o rendimento médio das mulheres tem sido inferior ao dos homens nos últimos 11 anos. Enquanto eles ganham, em média, R$ 3.196 mensais, elas recebem R$ 2.551.
Comissionada num órgão público por dez anos, a assessora Maria (nome fictício), 53, que também pediu para não ser identificada, descobriu que seus colegas homens ganhavam 30% mais do que ela.
“Ainda tive redução de salário. Quando questionei à minha chefia, disseram que meu cargo era muito alto”, conta. Ela pediu demissão e levou três meses para conseguir outro emprego. “Agora ganho menos, mas não me arrependo; me sinto mais útil, mais valorizada.”
O desemprego por nível educacional também é maior entre as mulheres (9,8% contra 6,5% entre eles) e a progressão de carreira feminina é mais lenta, gerando sub-representação em cargos de gerência (39,2% contra 60,8%).
A maternidade e as responsabilidades com a casa, ressalta Janaína Feijó, também influenciam na participação delas no mercado de trabalho, que vê o homem-pai como mais responsável, mas a mulher-mãe como um problema.
Entre as mulheres casadas com filhos de até 2 anos, apenas 33% estão empregadas. Já entre os homens com filhos da mesma idade, a taxa de participação é de 70%.
Mesmo com as conquistas e avanços na legislação, a sociedade ainda é machista, e as empresas precisam rever seus valores organizacionais, avalia a psicóloga do trabalho Cláudia Basso, doutora em orientação profissional e de carreira.
“É comum ouvir relatos de mulheres gestoras que, para serem respeitadas, precisam se impor e assumir postura mais séria e rígida, não expressar muitas emoções, nem sentimentos, e ainda provar suas competências o tempo todo”, diz Basso.
Com isso, destaca a psicóloga, acabam assumindo mais atividades do que homens na mesma função, gerando sobrecarga e estresse, que resultam em doenças físicas e psicológicas. “E ainda precisam aguentar comentários como deve estar na TPM”, afirma Basso, lembrando que há situações que podem ser consideradas assédio e discriminação de gênero.
O QUE FAZER AO SE DEPARAR COM UM SALÁRIO MENOR
Caso perceba que está ganhando menos que um homem na mesma função, a psicóloga orienta primeiramente entender a política de promoção da empresa, o plano de cargos e salários, uma vez que algumas preveem remuneração ligada ao tempo de serviço.
“É preciso entender se essa política da empresa está atrelada ao desenvolvimento de competências, ao sistema de progressão salarial por tempo no cargo ou se realmente está havendo uma disparidade por questão de gênero”, pontua.
Neste caso, sugere Basso, a mulher pode conversar com seu gestor ou RH, a depender do tamanho da empresa. Na conversa, ela deve mostrar quanto vem desenvolvendo suas competências, assim como seus resultados, justificando um aumento salarial. Neste momento, é possível expor o sentimento de frustração e injustiça diante da diferença.
Caso não resolva, pode-se levar a situação para a ouvidoria da empresa, se houver, ou buscar a Justiça do Trabalho.
Nilda Couto, consultora de RH, observa que a trabalhadora deve avaliar se vale a pena estar numa instituição que já tem esta cultura de desigualdade de gênero e se entrar com uma ação trabalhista pode ajudar a impedir que outros casos de disparidade salarial se repitam no futuro.
“É possível trabalhar sua empregabilidade, sua formação e competências, e buscar uma empresa que valoriza seu trabalho”, diz Couto.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
A igualdade salarial entre homens e mulheres é garantida no Brasil desde o surgimento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em 1943. Outras leis, inclusive internacionais, vedam a discriminação no ambiente de trabalho, impondo multas pesadas ao empregador.
“Essa vedação se aplica para qualquer cargo, desde que se verifique que os profissionais exercem as mesmas atividades para um mesmo empregador, inclusive em cargos de confiança”, lembra a advogada Daniele Slivinski, especialista em direito do trabalho.
No entanto, como o salário é sigiloso, é difícil a mulher conseguir provas sobre as diferenças salariais. “O meio mais seguro é requerer judicialmente que a empresa junte os holerites para comprovar essa diferença”, diz a advogada.
Para ajuizar a ação, o sindicato da categoria pode ajudar, com assistência judiciária gratuita. Testemunhas também serão importantes.
A contestação pode ser feita com o contrato de trabalho ativo ou encerrado, “o que é mais comum”, ressalta.
Slivinski explica que, em caso de vitória na Justiça, a mulher pode receber as diferenças salariais e uma compensação por danos morais. Além disso, a empresa pode arcar com multa administrativa, ao órgão público, no valor equivalente a dez vezes do novo salário.
Caso a ação seja desfavorável, a empregada terá que arcar com os honorários do advogado da empresa.
A advogada observa ser comum em ações trabalhistas o pedido de equiparação salarial, especialmente em cargos de gestão. “Porém, não é tão comum o pedido de equiparação embasado na discriminação por gênero.”
MAUREN LUC / Folhapress