Corte encerra caso que rendeu ao Brasil 1ª condenação por violação de direitos humanos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) considerou como concluído o caso Ximenes Lopes versus Brasil, que rendeu ao país, em 2006, sua primeira condenação internacional por violações de direitos humanos.

A conclusão do caso, anunciada pela corte na semana passada, ocorre 24 anos depois da morte de Damião Ximenes Lopes, em outubro de 1999, em um hospital psiquiátrico de Sobral (CE). O paciente, internado por causa de uma crise de saúde mental, sofreu maus-tratos e morreu na Clínica de Repouso Guararapes, no interior cearense.

Sua mãe, Albertina Lopes, à época testemunhou que o corpo do rapaz de 30 anos tinha marcas de espancamento e que foi informada por uma funcionária da limpeza do local que foram enfermeiros que o agrediram. O laudo médico da morte de Ximenes Lopes, no entanto, apontou “morte natural”. Um segundo exame necroscópico, realizado em Fortaleza, registrou “morte indeterminada”.

As incertezas sobre a lisura dos laudos e das investigações incentivaram a família do paciente a procurar ajuda internacional.

O caso foi denunciado ao sistema interamericano de direitos humanos da OEA por violação do direito à vida, à integridade pessoal e à proteção da honra e dignidade. Um relatório concluiu que a hospitalização de Ximenes Lopes se deu em condições desumanas e degradantes e que houve violações de garantias judiciais na condução das investigações.

Remetido à corte da OEA, o caso se tornou o primeiro relacionado a questões de saúde mental a ser julgado pelo sistema interamericano.

Em 2006, o Brasil foi condenado a pagar uma indenização de US$ 146 mil à família Ximenes Lopes.

A sentença estabeleceu ainda que o Estado brasileiro garantisse a conclusão do processo judicial sobre sua morte em prazo razoável e determinou o desenvolvimento de programas de capacitação de profissionais da saúde em direitos humanos e saúde mental.

Caso não cumprisse a determinação, o Brasil não corria o risco de punições, já que esse tipo de sentença não tem caráter vinculante.

O encerramento do caso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, 17 após após a condenação do Brasil, se deu porque o país finalmente implementou em abril deste ano um curso permanente de capacitação em direitos humanos e saúde mental batizado com o nome de Damião Ximenes Lopes e criado pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania.

A demora na criação do curso se deu por uma resistência das equipes à frente do Ministério da Saúde que entendiam que o curso legitimaria o tratamento nessas instituições, o que estaria em conflito com as premissas da Lei Antimanicomial, que reorientou o modelo de assistência a pessoas com transtornos psiquiátricos e reiterou que elas têm direitos.

A solução foi ampliar o escopo do público do curso para além dos funcionários dessas instituições e deixá-lo a cargo da então Secretaria Especial de Direitos Humanos.

Implementado em 2023, o curso permanente Damião Ximenes Lopes já certificou mais de 4.400 pessoas nos princípios e normas de direitos humanos aplicados ao contexto da saúde mental com base na jurisprudência internacional e em material sobre o tema da Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje, outras 1.710 pessoas estão em processo de formação.

Procurado, o Ministério de Direitos Humanos MDHC afirmou, por nota, que o encerramento da “primeira condenação contra o Brasil é um marco histórico e incentivará a contínua implementação das demais sentenças”.

Em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adotou a resolução 487, que estabelece o fim dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátricos, conhecidos como manicômios judiciários.

O Brasil tem histórico de violações de direitos humanos em hospitais psiquiátricos, que já foram usados para segregar ex-escravizados, imigrantes, homossexuais e até presos políticos.

Dois casos marcantes dessa história são o do Complexo Hospitalar do Juquery, em São Paulo, e do Hospital Colônia de Barbacena (MG), onde se estima que tenham morrido 60 mil pessoas.

“O Brasil tem muitos casos de morte em instituições psiquiátricas do país. E o caso Ximenes Lopes marcou uma série de mudanças, como o fechamento do maior pólo manicomial da América Latina, em Sorocaba (SP), além da redução progressiva de leitos em hospitais psiquiátricos”, afirma o psicólogo Lúcio Costa, diretor-executivo da ONG Desinstitute.

“Internação é diferente de tratamento. Ela é um procedimento de saúde involuntário num momento muito específico, de crise, e é usado para conter essa crise. Já o tratamento de saúde mental não pode acontecer num regime de segregação como o dos hospitais psiquiátricos”, avalia ele.

Procurado, o Ministério da Saúde não informou a quantidade de leitos em hospitais psiquiátricos no ano da condenação e hoje em dia. Segundo relatório do Desinstitute, com base em dados do SUS (Sistema Único de Saúde), em 2006, havia quase 40 mil leitos em hospitais psiquiátricos no país. Em 2020, esse número havia caído para pouco menos de 14 mil leitos.

Ao mesmo tempo, segundo a pasta da Saúde, o país tem hoje 2.855 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e 870 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) responsáveis pelo tratamento de transtornos metais e de dependência química fora dos hospitais psiquiátricos.

FERNANDA MENA / Folhapress

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