Amazônia possui mais de 10 mil monumentos desconhecidos, estima estudo

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Mais de 10 mil estruturas monumentais construídas pelos indígenas da Amazônia antes da chegada dos europeus ainda estão à espera de arqueólogos que as descubram, segundo uma nova estimativa, feita com base em dados de sensoriamento remoto. Se a inferência estiver correta, a região abrigava uma malha de sociedades complexas e populosas ainda maior do que a que se imaginava até agora.

“Ainda maior” é a expressão correta, porque as últimas décadas de pesquisa arqueológica já revelaram uma imagem muito diferente da Amazônia supostamente quase vazia e intocada que ainda está na cabeça de muita gente.

Monumentos e estruturas feitos principalmente com terra batida e matéria-prima vegetal —estradas largas com vários quilômetros de extensão, morros artificiais, valas, muralhas em vilas fortificadas e represas, por exemplo— têm sido mapeados em diversos trechos da região, como o Acre, o Alto Xingu, o Amapá e a ilha de Marajó.

A maioria dessas estruturas parece ter sido construída a partir de 2.000 anos atrás e, em muitos casos, só pôde ser mapeada porque o desmatamento das últimas décadas fez com que elas voltassem a ser visíveis. O novo estudo, coordenado por pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em São José dos Campos (SP), valeu-se de uma técnica que “limpa” digitalmente a mata que ainda está de pé para enxergar o que está debaixo dela.

No estudo, que acaba de sair no periódico especializado Science, Vinicius Peripato, Luiz Aragão e seus colegas do Inpe e de diversas outras instituições usaram o chamado Lidar (sigla inglesa de “detecção e alcance de luz”), que pode ser comparado a uma espécie de radar que usa laser em vez de ondas de rádio.

O princípio é simples: acima da superfície, disparam-se pulsos de laser que são rebatidos pelas estruturas que estão no solo, como se fossem ecos. Os padrões de rebatimento da luz são diferentes dependendo da altura das estruturas no solo, o que ajuda a criar uma espécie de mapa 3D do chão mesmo se ele estiver coberto pela floresta.

Mapeamentos com Lidar já foram empregados com sucesso nas áreas habitadas pela civilização maia na América Central e no México, permitindo a visualização de construções que a mata havia encoberto. A aplicação da tecnologia com fins arqueológicos na Amazônia ainda é restrita, mas tem avançado.

A equipe do Inpe estava usando o Lidar, originalmente, para estimar a biomassa (basicamente o “peso” total de matéria viva) em trechos da floresta que somavam 5.315 km2 de área (o que dá apenas 0,08% da área total da região). A espiada com a tecnologia, porém, também revelou 24 estruturas monumentais em quatro sub-regiões diferentes da Amazônia. Entre elas estavam uma vila fortificada no Alto Xingu, grandes desenhos retangulares e circulares no solo, conhecidos como geoglifos no sudoeste amazônico, e até estruturas megalíticas —feitas com grandes pedras, como a célebre Stonehenge— na região do chamado escudo das Guianas.

Se o número de novos monumentos revelado pelo Lidar apenas nesse trecho ínfimo de território amazônico fosse extrapolado para toda a região, haveria mais de 40 mil estruturas ainda desconhecidas por lá, calcula a equipe em seu artigo na Science. Peripato, Aragão e seus colegas, porém, usaram métodos estatísticos para tentar produzir uma estimativa mais refinada, levando em conta as características das regiões já sabidamente repletas dessas intervenções humanas, como características do solo, do clima e da vegetação, bem como a presença de rios nas proximidades.

Com base nesses pressupostos, eles chegaram a números mais modestos, mas ainda impressionantes: entre 10,3 mil e 23,6 mil estruturas monumentais desconhecidas ainda existiriam na Amazônia.

As estruturas hipotéticas tendem a estar concentradas no sudoeste da Amazônia, mas aparecem, em maior ou menor grau, em diversas partes da região. Parece haver uma associação entre a probabilidade de que elas estejam presentes e certos tipos de solo, como os argilosos, e chuvas abaixo da média para a região, talvez porque essas condições facilitassem a construção de estruturas com terra batida.

Os pesquisadores identificaram ainda uma associação entre as áreas em que as estruturas devem existir e a presença de plantas intensamente manejadas pelas populações tradicionais da região amazônica, como os castanheiros (que produzem a castanha-do-pará), as seringueiras e os cacaueiros. Tudo indica que, ao longo dos milênios, a ocupação intensa do bioma “humanizou” amplos trechos da floresta, aumentando muito a frequência de espécies vegetais que eram comestíveis ou tinham outros usos para as populações indígenas do passado.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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