SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O terreiro Abassá Oxúm Oxóssi, casa de candomblé de vertente bantu fundada em 1966, reiniciou nesta segunda-feira (9) um culto -que pretendem que seja ininterrupto- para tentar impedir o fechamento do imóvel, que é alvo de uma reintegração de posse desde a última sexta (6).
O templo, localizado em Cangaíba, na zona leste de São Paulo, está no centro de uma disputa entre familiares.
O terreiro fez atividades ininterruptas de sexta (6) a sábado (7) para evitar a entrada de oficiais de Justiça e retomou o culto nesta segunda, com a volta dos agentes. O cadeado do portão do imóvel chegou a ser serrado, e, durante a manhã, oficiais aguardavam o fim da cerimônia para tentar realizar a intimação.
Segundo a defesa do terreiro, o Código de Processo Civil proíbe que seja feita intimação “de quem estiver participando de ato de culto religioso”.
A disputa começou em 2016, após a morte da fundadora da casa, Mãe Caçulinha, responsável por formar mais de 800 filhos de santo nas décadas em que dirigiu o terreiro. Em testamento, ela pediu que seus trabalhos fossem continuados por cinco anos, sem especificar o que deveria acontecer depois desse prazo.
Os filhos de santo, entretanto, se afastaram do terreiro. Os filhos biológicos de Mãe Caçulinha pediram, então, que uma das netas dela, Kátia Luciana Alves Sampaio, única da família a seguir o candomblé, mantivesse os trabalhos da avó.
Os familiares também autorizaram em 2018 que Sampaio, que havia perdido o emprego, morasse no local. Mas, após descobrirem que o imóvel acumulou R$ 47 mil em dívidas de IPTU, eles decidiram entrar na Justiça contra ela.
No processo, os tios e primos juridicamente herdeiros do terreno dizem que Sampaio usurpou a posse do local, que não o utiliza mais como templo religioso e tampouco zela pela sua manutenção. Também a acusam de usar o local para abrir uma empresa e dizem que o templo apresenta goteiras e tem sido invadido.
Sobre a dívida, Sampaio diz que pediu autorização aos familiares para que pudesse requerer a imunidade de IPTU a que os templos religiosos têm direito, mas que os familiares não aceitaram. Ela afirma que a empresa produz artesanatos de arte africana usados também para a manutenção do templo.
Sampaio se denomina Mametu Kutala da casa, o que na hierarquia do candomblé bantu significa mãe de santo herdeira da casa.
A neta de Caçulinha diz ainda que o processo de mudança de um terreiro necessita do aval dos orixás. Ela afirma que o terreno onde fica o barracão foi concedido a sua avó como um presente a Oxum por uma pessoa que queria agradecer a benevolência da deusa dos rios. Diz ainda que ofereceu outro espaço a Oxum, mas que a divindade não quer sair do local. Caso ela desejasse, afirma Sampaio, os rituais de dessacralização do espaço deveriam ser feitos com respeito ao tempo dos orixás.
Sampaio acusa os parentes de intolerância religiosa. Também afirma que tem sido assediada por eles, que a procuram em horários de atendimento espiritual e chegaram a levar corretores e colocar placas de “vende-se” em frente ao terreiro.
Os familiares negam as acusações de intolerância religiosa e afirmam que Sampaio se fechou ao diálogo com a família. “Minha avó queria que os trabalhos continuassem, mas de forma ordeira”, afirma Ana Paula de Souza Alves Costa, outra neta de Caçulinha, umas das herdeiras jurídicas do espaço.
Em setembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que, embora a situação não caracterizasse esbulho, o imóvel deveria ser reintegrado aos tios e primos de Sampaio.
Os advogados dela, entretanto, protocolaram recursos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal).
Um projeto de lei proposto em maio deste ano pela deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) procura transformar o espaço em patrimônio material e imaterial.
MANUELA FERRARO / Folhapress